quarta-feira, abril 29, 2009

Em observação

Não que eles gostem de ser observados. Pelo menos assim, directamente. Os olhares cruzam-se, mas os mundos são outros. Ela pensa que poderia estar em Nova Iorque, que poderia estar a um qualquer ritmo alucinante que lhe escapa. Imagina, questiona-se, mas acredita que um dia as coisas boas até acontecem.  Eles, andam distraídos. Percorrem corredores, conversas de final do dia. Dão as mãos e sentam-se no banco, perto das plantas. Eles gostavam de ter um jardim só para eles. Ela, já pensou em comprar flores para o terraço.

Eles lêem e fazem ecoar as palavras. Ela, prefere a escrita. Dá-lhe calma. Eles apregoam a doutrina. Ela, está a mudar. Eles andam aos círculos, mas acabam sempre por voltar ao refúgio. Acabam sempre por escolher o caminho mais fácil. Ela, ela gosta de voar. E gosta de mudanças. Ela gosta de respirar o ar fresco da serra. O cheiro do rio. Ela gosta de sorrir. Gosta de brincar. Ela gosta, acima de tudo, de reconhecer a sensação de mudança. É também por isso que ela gosta de sorrir, já tinha dito que ela gosta de sorrir, não já? Gosta mesmo. É importante não esquecer.

Eles ficam ali, perdidos nas horas. Ela, já os deixou. Deixou-os permanecer ali. Foi voar um pouco. Porque quando voltar, eles vão continuar a apregoar  a doutrina, a querer ter um jardim, a escolher o caminho mais fácil. Ela, ela vai saber por que razão não quis nada daquilo. Ela ainda não sabe. Ainda não descobriu. Mas reconhece a sensação de mudança.

E não há nada melhor para reconhecer.

segunda-feira, abril 27, 2009

Ao pé do rio.

Há coisas que não se dizem. Deixa-me corrigir. Há coisas que temos medo de dizer. Por aquilo que representam. Por aquilo que podem induzir na outra pessoa. Pelos pensamentos. Pelas possibilidades. Há essas coisas todas que nos fazem balançar antes de dizer algo mais sério. E eu não te consigo explicar porquê. Não te consigo explicar como é que acontece. Contigo. Mas acontece. Porque nada daquilo que tenho para te dizer me faz parar para questionar se o devo ou não fazer. Nada.

Dentro do nosso mundo, à beira rio ou perto do mar, não há nada que não me sinta capaz de to dizer cara a cara. Podia não ter procurado o suficiente antes. Podia. Mas a verdade é que isto é inexplicavelmente único. Não aquele "único" lamechas de quem quer dizer coisas bonitas só por dizer. Não aquele "único" como quem diz "vou-te amar para sempre". 

Um "único" que pertence àqueles momentos. Um murmuro que diz "eu sei, e isto não é cliché, que nunca vou amar ninguém assim". Claro que vou amar. Sem dúvida. Mas, como um dia me disseste, procurarei todos os pormenores que me fizeram feliz contigo. E não os vou encontrar numa só pessoa. E vou-me sentir incompleta. Não para sempre. Apenas momentaneamente. O tempo que demora a encontrar-te de novo.

Não. Não te vou amar para sempre. Mas vou procurar-te para sempre. Em cada pormenor.

quarta-feira, abril 22, 2009

Ao acordar

Disseram-me que o acordar define o feitio. Cheguei à conclusão que o meu é misto. Por norma, não tenho mau acordar, mas há situações matinais que me deixam furiosa a dobrar. Acho que faz o equilíbrio. Não acordo bem disposta quando me abrem os estores às três pancadas com uma voz dócil que profere um "vá toca a acordar". A voz é mesmo dócil portanto percebem a irritação. Não acordo bem disposta quando naqueles primeiros dez minutos - em que procuro estar comigo sem que ninguém me chateie - me começam a bombardear com perguntas cujas respostas têm de surgir nos três segundos seguintes. Não, isto é pedir para que se resmungue a resposta. Pior ainda. Porque a seguir vem um "o que é que estás a dizer, não percebo nada", em tom de irritação. Como se eu tivesse a culpa de não querer responder naquele instante. Não acordo bem disposta quando me invadem o quarto à procura de um qualquer objecto que, por não haver mais ninguém em casa que se tenha acusado, seja eu automaticamente culpada por tê-lo feito desaparecer, ou sequer por saber onde está. NÃO TEMOS CULPA DA FALTA DE ORGANIZAÇÃO DOS OUTROS. Este será o sentimento que nos ocorre nos três segundos de raiva seguintes, mas que o sono impede que se transforme em berro. Resmungo e murmuro um "não faço a mínima ideia do que estás a falar". Não acordo bem disposta quando numa manhã de ressaca me incomodam com música bem alta - daquela que se ouve no sexto andar e está a sair das colunas do primeiro - ou quando o velhote do andar de cima resolve pôr o Goucha aos altos berros devido à falta de audição. Eu sei, ele não tem culpa. Mas ouvir a voz do Goucha numa manhã que começa com uma dor de cabeça?

Tirando isto, os outros dias são de bom acordar. Ensonada. Com o cabelo à Elvis Presley, pavorosa. Sim, tudo isso. O truque é não olhar para o espelho enquanto não sair do banho. Surpreendente. Resulta sempre. Isso e beijinhos matinais. As festinhas no cabelo. O toque suave. Estes podem inclusive deixar-me com vontade de ouvir Variações bem alto no meu Clio. Ou a banda sonora do Rei Leão. Aos berros no carro, com um sorriso gigante. Sim, os senhores no IC19 pensam que sou doida. Mas antes isso que ter mau feitio. Doida mas feliz.

segunda-feira, abril 13, 2009

Mimos

Sabe bem. Fugir. Sair do mundo e perceber que há coisas bem pequenas. E outras tão mais simples. Há a correria. O cansaço. O stress. Mas há a calma. O andar de bicicleta. Os cabelos ao vento numa manhã de sol. E a praia lá ao fundo. O imenso mar azul.

Os pequenos momentos são quase tudo. Dão-nos quase tudo. Sim, sabemos que temos de voltar, um dia. Sabemos. Eu sei. Tu sabes. Mas isso não interessa nada. Porque aquela brisa nos cabelos, aquele cheiro do pinhal e a partilha deram-nos mais. Sou mais um pouco de mim. Descubro mais de mim.

E isso, sabe bem. Gosto de o fazer contigo. 

Porque fiquei a saber que fazia covinhas nos cantos da boca quando resmungo por entre mimos. São coisas simples que me dás.