sexta-feira, dezembro 12, 2008

Na rua

Já pensei várias vezes nisto. No homem que, de vez em quando, dorme num abrigo de uma garagem ao pé de minha casa. Um pequeno buraco onde, há cerca de três meses, este senhor  fecha os olhos, tapado por uma manta, sem deixar que se veja a cabeça. Um dia, vinha a chegar a casa, por volta das sete da manhã e estava este homem - não deve ter mais de 40 anos - a colocar um barrete na cabeça, a ajeitar a roupa suja e velha que tinha no corpo e a juntar os pedaços de cartão que o separaram do frio gélido, passo a redundância, do mármore onde se deitou. Pensei qual será o limite para que alguém tenha de dormir na rua. Sim, há o álcool, há a droga, há isso tudo. Mas as vezes não há nada disso. É o que me parece aqui.

Há o estar sozinho. Uma coisa que me assusta verdadeiramente. Não ter nem se quer alguém que nos abrace e diga - ainda que seja mentira - "vai ficar tudo bem". Hoje, senti medo.  As notícias só falam de crise. Fala-se de apoios, de investimentos, de milhões. Mil milhões de euros. Despedimentos. "O próximo ano vai ser muito complicado". Não vai haver crescimento económico. Salvam-se os bancos. Não se sabe quando terão de se salvar mais. Medo. Acredito que nunca terei de dormir na rua. Mas assusta-me a ideia de o país estar à beira do abismo. Sim, sempre vivemos em crise, é verdade. Mas agora, parece muito mais do que isso.

Tenho medo. E gostava de ter coragem para descer as escadas, dizer àquele homem para subir, tomar um banho e oferecer-lhe uma chávena de chá bem quente, com torradas. Coragem para falar com ele. Provavelmente, continuaria a dormir na rua. Mas talvez o gesto o aquecesse e não precisasse daqueles pedaços de cartão velho.

(É por isto que sou de esquerda. Diz o Pedro Lomba no DN que é porque recebo mal. Não, não é por isso. O que não quer dizer que receba bem, recebo até miseravelmente.)

5 comentários:

Flor de Sal disse...

Como te compreendo.
Fica uma sugestão: da-lhe um cobertor quentinho para ele "forrar" os cartões. Pode não cortar o frio todo, mas aquece mais um pouco. Pode não resolver os problemas por inteiro, mas é solução para uma parte...e o todo é composto por partes.

Eduardo Fafiães Peres disse...

O pedro Lomba dar-lhe-ia uma cafeteira ;)

Mário Ventura disse...

A última frase diz tudo... digo eu.

Como diz o meu pai, "isto está bom é para quem não faz nada ou para os ladrões".

O que eu gostava mesmo era de ser deputado!!!

Susana disse...

Acho que toda a gente deve ter na sua vida pelo menos um sem-abrigo com quem se cruza frequentemente. Eu tenho um na minha rua, nunca lhe dei nada, às vezes sorrio-lhe mas não é nenhuma esmola, também sorrio aos vizinhos com quem não falo por timidez. E tenho outro, a caminho da faculdade, que todas as noites , às oito horas, ou procura o jantar nos contentores junto à CGD ou está a dormir no chão, bêbado. Desse desvio-me porque me assusta. E não gosto de falar sobre eles porque não posso fazer nada mas podia fazer alguma coisa. Sou só mais uma. Bah.

Sarita disse...

E o que assusta é pensar que tudo isto pode resultar da total solidão. Disso acho que estás salvaguardada! =)

Bjo*

Gosto de ti*