quarta-feira, novembro 23, 2011

É só mais uma.

Os olhos estão carregados de olheiras. "Mais pequenos do que o habitual", dizem-lhe. E não é aquele cansaço psicológico a que ela se habituou e com o qual convive sem problemas. Desta vez, o corpo está magoado. Pede descanso, grita, mas ela decidiu que não vai ceder.

Não. É como resignar-se. Não vem no dicionário que foi contruindo ao longo dos anos e muito menos faz parte das entradas incluídas no novo acordo ortográfico. Rewind, one step back. Como começa, como acaba. Numa qualquer composição de sons e de melodias breves que se pôs a ouvir de manhã, quando olhava para as árvores quase sem folhas e sentia na pele a humidade do nevoeiro. Franzia a testa, aconchegava-se no robe e voltava para dentro.

Hoje, mas só por hoje, enfia a cabeça na almofada e espera que ele a acorde com um beijo. As olheiras não vão desaparecer, ela sabe. O cansaço muito menos. Está consciente disso.
Basta-lhe o beijo. Porque, às vezes, é o suficiente para mandar embora o cansaço.

Vem depressa, pede ela. Só por hoje.

terça-feira, novembro 08, 2011

Da sensação de estar

Hoje, Londres faz jus à fama. O céu cinzento, neblina carregada, o cheiro do alcatrão húmido na rua. Decidi sair de casa, pôr fim à preguiça de um dia dedicado inteiramente a tratar de mim.
No chão, as folhas queimadas, laranjas. As rajadas de vento levam-nas sem piedade para qualquer outro canto da cidade. Até serem varridas para dentro de um qualquer contentor, com ainda menos piedade. E com elas, o Outono começa também a dizer adeus. Mas não para já.

Entrei na coffee shop do meu quarteirão, uma pequena salinha amorosa, com sofás, jornais e pormenores deliciosos. Ah, e uma música que nos faz sentir em casa. Não sentia isto desde que cheguei. O aconchego, o estar de ombros relaxados a procurar palavras em folhas de papel cinzentas e usadas por todos aqueles que aqui passaram hoje e que também procuraram as suas próprias palavras.

E o que me apetecia fazer agora? Chorar. Estranho, não é? Como o estado de espírito muda tão rapidamente de um dia para o outro: ontem apetecia-me chorar com saudades, acentuadas por uma dor no pescoço que me deixou vulnerável. Hoje, sentada neste café, com as persianas semi-abertas, olho lá para fora (já noite cerrada) e observo os faróis dos carros, as rodas das bicicletas, as pessoas que percorrem os passeios. Hoje, sinto-me bem. Revitalizada. O choro é fruto de qualquer outra coisa que não tristeza.

E se me perguntarem porquê? Tentei procurar as palavras, mas não as encontrei. Sei que me senti assim, no preciso momento em que me sentei no sofá e me transportei para outro sítio qualquer. Acho que foi da música, das velas, das cadeiras, das mesas, do conforto.

Andava à minha procura aqui. E encontrei-me.
O tempo lá fora? Nem dei por ele.
Pode dar-se que me esteja a apaixonar por ti.
Daqui a seis meses voltamos a conversar.

sábado, outubro 29, 2011

De autocarro

Viagem de regresso num qualquer autocarro londrino.
Escolho não subir as escadas e sento-me à janela, mais perto da rua e dos cheiros.
Dizem-me "estás a ser demasiado exigente" e penso que se calhar até estou e não dou por isso.
Que devia deixar que me agarrassem e levassem para qualquer outro lado.
Mas depois, no final de um dia de trabalho, encontro-te.
No autocarro, senta-se agora um homem perdido no mundo do álcool. Os cabelos brancos e o olhar vazio. Fala sozinho, adormece, quase que se encosta ao meu ombro.
Mas só consigo pensar que nem sempre é mau gostarmos das coisas difíceis e complicadas. Dá mais trabalho, implica mais determinação. Só consigo pensar que até te acho piada.
Que podias ser um desafio. (Não estou a pensar em como ele daria tudo para me adormecer. Não estou a pensar nisso, porque é fácil).
Mas quando abro a porta de casa, inevitavelmente, o vazio passa para mim. Trouxe um bocadinho de ti comigo naquela noite, mas não o suficiente. Sim, é mais aliciante quando as coisas se tornam complicadas.

quinta-feira, outubro 27, 2011

Daqui para aí

Hoje, estou em modo "podia estar aí".
Quero escrever sobre as ruas de Londres, sobre o meu bairro e o mercado de fruta. Quero escrever que a palavra que mais oiço durante o dia é "sorry" porque há sempre alguém que vai contra alguém. Quero contar sobre a forma como, tal e qual uma criança que descobre um novo brinquedo, olho em volta para descobrir um pormenor, e outro, e outro. E nunca tem fim.
Quero falar sobre o sol que ainda não se escondeu. Sobre os 30 graus que fizeram quando eu quase só trouxe roupa de Inverno. Falar sobre as raposas que passeiam ao pé do meu prédio, sobre os pombos que se escondem nas janelas.
Quero escrever sobre a minha casa nova, o meu cantinho. Quero escrever sobre os meus recantos e os meus novos refúgios, sobre como aprendemos a (re)começar. Sobre como aprendemos a valorizar as pequenas coisas.
Quero escrever sobre o rio, o cheiro do rio. Que não é o meu, mas que ajuda a matar saudades.
Quero escrever sobre o novo trabalho, que nada tem a ver com jornalismo. Quero explicar que trabalhar num restaurante nos pode dar mais qualquer coisa. Uma aprendizagem.
Quero conseguir explicar como a informação corre a uma velocidade estonteante. E quero escrever que me fazia falta este estímulo, esta vontade de querer mais. De mostrar que sou capaz. Quero escrever sobre isso. Mas não vai ser hoje.

Procrastination. Maldita.
Eu pensava que era um mal daí. Mas também é daqui.
É muita coisa a acontecer.
E eu quero escrever sobre tudo.
Mas agora, fiquei sem tempo.

quinta-feira, setembro 01, 2011

As tuas sete colinas

Lembras-te quando te conheci e ficava sem ar? Quando chegava a casa cansada de mais um dia de trabalho e ficava chateada contigo porque não me davas mimos. Lembras-te quando ainda não conhecia os traços da tua personalidade? Quando me tentava habituar a ti. E é estranho, não é? Contigo foi sempre tudo ao contrário. Cansei-me de ti numa fase inicial, das subidas, das descidas, de uma inconstância que me deixava confusa, perdida. Tinha até a mania de que se voltasse para "casa" mais cedo, evitava ter de me chatear contigo frequentemente. E fugia para longe de ti. Descansava de ti. Achava que não te tinha dado tempo suficiente, mas sabia que tu gostavas mais de mim. O problema era meu e não teu, entendes? Um cliché que encaixa na perfeição.

Depois, com o passar dos meses encontrei em ti um refúgio meu. Um espaço que deixaste para mim e onde aprendi a conhecer-te. Comecei a decorar os teus horários, as tuas rotinas, os teus dias de mau humor e aqueles em que, surpreendentemente, me deixavas de queixo caído. Acompanhei-te. De sorriso na calçada, foste-me ensinando que sim. Que poderíamos dar certo, que até podia fazer sentido. Mas as relações são sempre assim: ainda não era definitivo. Decidi que ainda podíamos correr o risco. E fugi novamente. Não te olhei nos olhos, não provei do teu suor, não deixei que me abraçasses. Mas aí, nesses meses, senti a tua falta. Aquele aperto no peito. Inicial.

Quando dei por mim, já te conhecia há demasiado tempo. Tinhas observado, em silêncio, todos os meus desvarios. Nunca disseste nada. Querias-me só para ti e nunca disseste nada. A mim, agradava-me a ideia de me quereres só porque sim. Durante oito anos abraçaste-me todas as noites. Tu, o teu calor ou o teu frio. Confesso que gostava mais dos dias em que tinha de me agarrar a uma colcha de lã porque me congelavas. Havia dias assim. E, que raio, tu sabes o quanto eu gosto desses dias, não sabes? É deles que me vou lembrar nesta nova aventura.

As noites de calor, aquelas em que me deixavas percorrer o teu corpo, entre subidas e descidas; aquelas em que me deixaste ficar a olhar para ti num qualquer miradouro sem nada dizer. Já te disse também que prefiro o da Nossa Senhora do Monte, não já? Foi sempre aí que te mostrei, cheia de orgulho. E foi sempre aí que vi o brilho nos olhos dos outros. Um brilho de quem percebe a paixão. E o sol, essa luz que vem de ti. Essa luminosidade que se vê em roupa velha estendida nos estendais que acolhes nas tuas sete colinas.

É isto. Queria dizer-te que vou sentir a falta da tua luz. Do teu sobe e desce. Da tua pele enrugada pelo tempo, dos teus caminhos que desprezam os saltos altos, dos teus carris escorregadios e traiçoeiros, do teu rio. Posso dizer do nosso rio? A nossa ponte, a antiga - porque não gosto da nova. Gosto do teu sabor, aquele da marginal, sabes? Sou viciada nesse sabor.

Vou ter de partir, mas desta vez, não estou a fugir. Quero-te mais. Quero-te muito. Queres-me a mim. Quando voltar, reencontramo-nos. Guarda-me um pouco do teu sabor. Vou querer senti-lo quando voltar. E, se te lembrares, quando me fores buscar, leva Amália contigo. Por tua causa, ou por causa dela, vou mais leve. Nesse fado. Nessa boleia. Não vou acabar a dizer o teu nome. Isso sim seria cliché.

Guarda-te para mim.
[E digo-te porquê: tenho borboletas na barriga]

quinta-feira, julho 28, 2011

É para amanhã

Segredou-lhe ao ouvido. Ela sorriu.
O palco ficava para as letras das músicas em modo de banda sonora.
Não queria uma homenagem, nem uma declaração de amor. Que não é disso que se trata.
Segredou-lhe ao ouvido. Ela beijou-o.
Inflamas-me. Percorreu-lhe o corpo. Mordeu-lhe a orelha.
Ele comprou-lhe um gelado. Aquele que ela gostava. Ela sorriu. Sorriu-lhe.
Percorreu-lhe o corpo. Mordeu-lhe o pescoço. Beijou-lhe o ombro moreno do sol.
E no fim, um beijo a correr.
Amanhã há mais.

quarta-feira, junho 22, 2011

Pela noite dentro

Ainda não tinha começado o Verão, mas o dia amanheceu quente. A escaldar, depois de uma noite enfiada em bares dançantes, rodeada de sombras escuras, conversas que ficavam a meio - com sorrisos de quem não percebia o que lhe diziam -, e copos meio cheios. Ou meio vazios.
Ouviu dizer, "as pelas morenas, o calor, as pessoas transpiram sexo", e riu-se. Como quem entende na perfeição o sentimento, e balança as ancas, aproveitando o movimento para seduzi-lo. Não por ele, por ela.

Depois, houve movimentos de bailarina em cima de carros, suspiros encostados a portas de moradores de uma qualquer rua que vai da zona dos bares ao local onde se encontram os táxis. Corrijo: ao local até onde caminharam. Depois de carros, portas, olhares suspeitos, indefinição e hesitação.

Ali parecia não haver problema algum. Ela queria. Mas deixou-o em casa, apesar da vontade. E, depois de ter dormido aqueles breves instantes, ele bateu-lhe à porta, sôfrego de calor. E fizeram o dia nascer, aquele que ainda não era de Verão. Mas que tinha todo o ritmo de uma noite calor intenso. As pelas morenas. E mais ela não disse.

quinta-feira, junho 09, 2011

Balão

vou impôr um stop a este vaivém de sobes e desces.
de querer muito e não querer nada.
a partir de agora, passo a mentir-te. a mentir-me.
ela ia querer isso, como quem sente a água fria da primeira onda perto da barriga.
essa sensação de ir ou ficar.
este binómio constante de inseguranças admitidas entre segredos invioláveis.
vou-te impôr restrições.
a partir de agora, só quero subir.

segunda-feira, maio 23, 2011

"Boliiiiiinhos fresquiiiiinhos"

Via-te passar na praia, na única a que chamo minha, desde que me conheço como gente. De pele bronzeada, não desculpa, queimada pelo sol. Dos quilómetros de areia que percorrias, com os pés enterrados e as calças puxadas para cima, para não teres tanto calor. Uma caixa metálica com três tabuleiros, nos quais dividias os bolos por tipo, não sei bem qual era o critério. Mas tu devias seguir uma lógica. De boné branco, que te protegia uma parte da cara, entoavas "boliiiiiinhooos fresquiiiiiiinhos". Repetias sem manifestar qualquer tipo de cansaço.
As tuas mãos, calejadas de carregar aquele caixa todos os verões, estavam ainda mais pretas do que o teu corpo. Nunca me lembro de te ver menos escuro, mesmo que o verão estivesse no início. Deixavas a barba por fazer e, quando os bolos acabavam, depois de quilómetros e quilómetros de areia, depois de crianças pequenas que te enchiam a caixa dos bolos com areia - sim, mea culpa no que a isso diz respeito -, depois de contares trocos cada vez que se levantava um braço em tom de comando, depois de toda essa agitação, sentavas-te no passeio, com os pés na areia. E ficavas ali, sozinho com os teus pensamentos.
Eu, que te enchia a caixa dos bolos com areia; eu, que preferia um palmier simples a uma bola de berlim - hoje já seria diferente -; eu, que quando era pequena te sorria e já adolescente te tratava com respeito; eu, que pensava, tantas vezes, que o teu trabalho era dos mais difíceis do Mundo. Foste envelhecendo e passaste a coxear. "Boliiiiiiinhooos fresquiiiiiinhos", continuavas a repetir em alto e bom som. Um dia, num daqueles verões em eu regressava, de férias, à minha praia, tu não apareceste. Disseram-me que tinhas sido levado por um comboio. Sempre achei que foi a maneira mais suave para me dizerem que tinhas morrido de uma daquelas doenças que hoje matam toda a gente mais velha. Quis acreditar que o comboio era um rumor, porque, a ser verdade, tinhas de ter aparecido no jornal. Eras parte daquela praia, daqueles meses de férias. Tinhas de ter aparecido no jornal.
De vez em quando, na praia, numa qualquer que já não tem de ser a minha, parece que te oiço "boliiiiiiinhooos fresquiiiiiiinhos". Levanto a cabeça, olha em redor, mas não te vejo. Sei que não te vou ver mais, mas não deixo de te procurar.

sábado, maio 21, 2011

Dança de final de tarde

Estão ali à beira-mar. Rodeados de tanta gente, mas não lhes faz qualquer diferença.
Olham-se nos olhos e agarram-se, enquanto os corpos balançam ao ritmo da música.
A música deles, porque não há nenhum rádio a tocar, nem telemóvel com vídeos no Youtube.
Ela tem umas cuecas de biquini brancas e um top com cor de samba. Ele tem uns calções de praiavermelhos. Mas esses pormenores acabam por ser irrelevantes.
Ela segue-lhe os passos e está colada a ele, mas a tocar-lhe apenas ao de leve. Balança as ancas e o rabo mexe-se ao som da música. Ele aprecia-a de cima a baixo, decora-lhe os movimentos que acabam nos pés irrequietos. Repito, estão na praia rodeados de tanta gente, mas só ali estão eles.
Final de tarde, à beira-mar, o sol a bater-lhes nos corpos e uma melodia que encanta os mais curiosos. É uma fixação, porque quem entra naquela música, fica viciado.
Ela tem uns cabelos compridos, loiros. É magra, sem exageros, e dança pela vida. Tem um sorriso perspicaz. Está a seduzi-lo e ele gosta. Gosta daquele jogo do gato e do rato. E sorri enquanto a agarra em versão tango para quase beijá-la. Quase porque, desta vez, é ele que foge. E que sorri novamente.
E aqueles movimentos, aquele swing, aquele acto de sedução em plena praia, faz prever uma noite quente. Porque eles têm saudades do Brasil. E o calor faz-lhes falta.

sexta-feira, maio 20, 2011

sem saída.

em estado de ansiedade. assim sem maiúsculas nem qualquer referência ao início, porque ela não queria começar, queria apenas estar. este apenas estar soava-lhe a suficiente, sem necessidade de uma espera desesperada.
apetecia-lhe tocá-lo, sentir-lhe os ossos. não, não tem de ser o início de coisa nenhuma, já te disse. ela não gosta de estórias que começam e acabam. é um flow. e dizer isto assim, de forma nua e sincera, desprendida, deveria ser o suficiente. é apenas estar.
tens medo exactamente do quê?, perguntava-lhe ela. do outro lado, não havia resposta. isso não era suficiente para ela. ela queria apenas estar.
é preciso repetir? estar.
abrir a porta, decorar livros, molduras, pinturas, pedaços daquele mundo fechado a sete chaves que ele gostava de chamar refúgio. deixas-me entrar?, perguntou-lhe.
ele disse, a medo, devagarinho, como quem receia uma intromissão, podes vir. mas devagar.
ela repetiu, e repetiu, que só queria estar.
o ficar era irrelevante.
ele, novamente a medo, resolveu dizer-lhe, se entrares não vais conseguir sair.
são estas as condições. aceitas?
ela murmurou, aceito. é suficiente, reafirmou.
e pensou, sem verbalizar, que talvez fosse demasiado confuso.
mas bastava-lhe o estar. e isso, ele deu-lhe de mão beijada.

segunda-feira, maio 16, 2011

Engate

Ele procurou-a por aquelas ruas íngremes e desconhecidas. Roupas estendidas naqueles prédios antigos, roupas cheias de cor, roupas com sabor a vinho tinto, a suor e a corpos molhados.
Espreitou nas esquinas preenchidas com graffitis que falam de política e de sonhos perdidos em promessas falsas e sempre exageradas.
Ele só a quer encontrar. Só lhe quer dizer, eu quero-te agora. Só a quer encostar contra a parede, aquela que tem graffitis, e sentir-lhe o cheiro a perfume caro, aquele que a mãe lhe emprestou. Dar-lhe a mão e seguir com ela de braço dado. Decorar-lhe os sinais do corpo, para poder distingui-la de qualquer outra. E dos lábios, a respiração profunda, ofegante.
Por enquanto, é um sonho. Mas ele não quis escrever na parede. Não o quis tornar um sonho perdido. Porque ele sabe que ela o quer. E, um deste dias, vai encontrá-la. E pedir-lhe para que ela escreva o graffiti deles. Numa árvore daquelas bem velhinhas de um parque de Lisboa. Só para o caso de regressarem. Porque gostam de ir, mas devoram o regresso.

segunda-feira, maio 09, 2011

Cruzamento

Ele disse que sim, que podia ser. Aceitou um pedido, entre aspas.
Iam-se procurando os dois em letras. Em palavras. Daquelas que provocam calafrios e os deixavam em permanente estado de loucura. Não lhe tinha dito adeus, porque a perspicácia dizia-lhe que ainda lhe podia dizer olá. Em letras pequenas.

Estava a passear na Baixa. Porque lhe faz falta a proximidade daquela cidade durante o dia. Porque ainda não partiu e já sente um vazio provocado pela ausência, pelo vazio que vai ficar. Olhou para o lado e ele estava ali, numa qualquer banca de jornais, a ler as gordas. A consumir informação. Se bem se lembra, talvez estivesse mesmo a conversar com o indiano que vendia jornais. E bilhetes de metro aos turistas.

Passou por ele, olhou, sorriu. Seguiu em frente. Ele sorriu de volta e ficou a fotografá-la com o olhar. Os cabelos compridos que escorregam nos ombros destapados. A pele morena, aquele tom de mel, mesmo antes de começar o Verão intenso. E ficou agarrado àquele gesto: a mão que passou ao de leve no cabelo, como quem o vai prender com um elástico, mas se arrepende no último segundo. Ficou ali preso. Deixou o indiano a falar sozinho por alguns segundos. Se lhe perguntassem, diria que tinham sido horas. Aquele maldito gesto. Que provocação, pensou.

Ela olhou para trás e sorriu. Sorriso malandro como quem sabe o que acabou de fazer. Ele pensou, cabra, mas sorriu. Sorriu-lhe. Foi um adeus. E um até à próxima. Que tenho desejo de ti, pensou ela a morder o lábio inferior.

quarta-feira, abril 20, 2011

Moldes

Moldaste-me assim.
Deixei-me moldar também, é verdade.
Agora, não há volta a dar.
Olho para o lado, é tarde, bem tarde, e eles correm de mão dada para passar o sinal prestes a ficar vermelho. Sorriem. E não, não são jovens. De aparência, pelo menos.
Porque correm com uma energia galopante. De quem enraízou aquele gesto.
E quero aquilo. Sorrio também. Com eles e para eles.
Apetece-me dizer adeus, mas eles correm muito depressa. Qualquer dia apanho-os.
E, com a música bem alto, volto a mim.
E ao que ficou.
Moldada. E duvido que sirva para alguma coisa.
Em pedaços de gelo. Que raio.
E eu queria mesmo era correr como eles. E não esquecer, de mão dada.

quinta-feira, abril 07, 2011

Aviso à navegação.

Não me prendas por palavras novas.
Que viciam.
Melhor, não me agarres com esse vaivém de brincadeiras.
Sou viciada em palavras. Em boas palavras.
Ainda não sabes isso. Ou melhor, sabes. Já to disse.
Mas apenas uma vez. E a medo.
Não fosse não corresponder à expectativa.
Ando à deriva. À procura do Norte.
Em fase experimental. Por isso, não arrisco demasiado.
Apenas o suficiente.
Para te deixar que me conheças um pouco mais.
Vou levantar o véu.
Mas entende, que é a medo.
Talvez um dia percebes o porquê.
Ou não talvez nunca o tenhas de perceber.
É um aviso.
Agora que tenha uma bússula.

segunda-feira, março 21, 2011

Obrigada.

Às vezes, quando estamos muito tempo no meu espaço perdemos a noção.
Deixamos a vontade de voar para mais tarde.
Hoje, recordo uma tarde no penúltimo dia de 2010.
Duas chávenas de chá.
Uma conversa a medo.
E um dossiê cheio de coragem. Muitas perguntas.
Tentei perceber o porquê de tudo aquilo.
E, de repente, cheguei lá.
Olhei para trás. Recordei-te quatro anos antes.
A ir embora para uma terra fria, sozinha.
Dessa vontade toda que tinhas.
E quem diria que eras de todas a mais mimada.
E percebes o que digo, como percebes que isto é tão bom.
Voltaste a ir embora porque este país não é para novos.
E foste. E voltaste. E foste. E voltaste. E foste.
E sempre que te sentia a ir, sentia-me a ficar para trás.
Tinha inveja. Mas uma inveja boa, sabes?
Escrevo estas palavras em forma de qualquer coisa banal porque te devo.
Devo-te o empurrão. Devo-te teres-me aberto os horizontes.
Devo-te a ajuda. Os mails. As traduções.
A paciência quando estavas cheia de trabalho.
Devemos-te todas essa passagem de testemunho.
Esse querer ser mais.
Essa transparente insatisfação.
A não resignação.
Se hoje, cheguei aqui, é por tua causa.
Se hoje, me sinto assim, é por tua causa.
Se hoje, quero mudar tudo, é por tua causa.
E isso, é mais uma razão para sorrires.
Esse poder que tens de mover montanhas. E sonhos.
Aconteça o que acontecer, já me superei.
E tu acreditaste. Empurraste-me.
Hoje, devo-te um pedaço daquilo que conquistei.
Amanhã, vou ficar a dever-te um sonho.
E, se aceitares, pago-te com a minha amizade.
Eterna.

sábado, março 19, 2011

Futuro.

















Há precisamente uma semana desci a Avenida da Liberdade.
Hoje, voltei a descê-la. Embora não totalmente.
Há uma semana gritei por melhores condições. Por uma visão de futuro.
Hoje, o meu coração saltava-me do peito. Por um futuro.
Há uma semana preocupava-me com o País.
Hoje, preocupava-me com o meu futuro.
Há uma semana, senti um orgulho enorme. Uma vontade de mudança.
Hoje, senti o peso de um grande passo. Uma mudança maior.
Há uma semana, tive receio que fossemos poucos.
Hoje, sabia que apenas eu importava.
Há uma semana, enquanto caminhava, senti o poder de uma revolução.
Hoje, tinha uma revolução dentro de mim.
Hoje dei mais um passo. De gigante.
Está um sol de Primavera e não consigo deixar de sorrir.
Há uma semana, dei (demos) um passo importante.
Hoje, dei o primeiro passo do resto da minha vida.

P.S. Hoje, podia tocar o céu.




quinta-feira, março 10, 2011

Para a rua. porque já chega.

Manifesto

"Nós, desempregados, “quinhentoseuristas” e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal.

Nós, que até agora compactuámos com esta condição, estamos aqui, hoje, para dar o nosso contributo no sentido de desencadear uma mudança qualitativa do país. Estamos aqui, hoje, porque não podemos continuar a aceitar a situação precária para a qual fomos arrastados. Estamos aqui, hoje, porque nos esforçamos diariamente para merecer um futuro digno, com estabilidade e segurança em todas as áreas da nossa vida.

Protestamos para que todos os responsáveis pela nossa actual situação de incerteza – políticos, empregadores e nós mesmos – actuem em conjunto para uma alteração rápida desta realidade, que se tornou insustentável.

Caso contrário:

a) Defrauda-se o presente, por não termos a oportunidade de concretizar o nosso potencial, bloqueando a melhoria das condições económicas e sociais do país. Desperdiçam-se as aspirações de toda uma geração, que não pode prosperar.

b) Insulta-se o passado, porque as gerações anteriores trabalharam pelo nosso acesso à educação, pela nossa segurança, pelos nossos direitos laborais e pela nossa liberdade. Desperdiçam-se décadas de esforço, investimento e dedicação.

c) Hipoteca-se o futuro, que se vislumbra sem educação de qualidade para todos e sem reformas justas para aqueles que trabalham toda a vida. Desperdiçam-se os recursos e competências que poderiam levar o país ao sucesso económico.

Somos a geração com o maior nível de formação na história do país. Por isso, não nos deixamos abater pelo cansaço, nem pela frustração, nem pela falta de perspectivas. Acreditamos que temos os recursos e as ferramentas para dar um futuro melhor a nós mesmos e a Portugal.

Não protestamos contra as outras gerações. Apenas não estamos, nem queremos estar à espera que os problemas se resolvam. Protestamos por uma solução e queremos ser parte dela."

quinta-feira, março 03, 2011

Modern love














Tenho uma teoria. Sobre relações.
Sobre as relações modernas.

Elas decidem o quando.
Elas decidem o porquê.
Elas mandam efectivamente.
Elas fazem o que querem.
Comandam.

Eles deixam-se levar.
Eles aceitam.
Eles sentem-se perdidos.
Perderam o controlo.

E isto. Isto dá cabo deles.
Consequentemente, elas é que pagam.
Ninguém disse que o poder trazia felicidade.

Nota:
Assim que me apetecer.
Quando me apetecer.
Se me apetecer.
Este controlo sabe bem.

quarta-feira, março 02, 2011

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Irritação.

Irrita-me isto. Esta vontade de agarrar pescoços e ao mesmo tempo de me prender a ti.
Irrita-me como não podes imaginar.
Já chega. Hoje estou em pequenos pedaços. E irrita-me mais.
Quero-te perto, mas não de volta.
Quero-te sentir, mas não te ter.
E irrita-me só este querer absurdo.
Absurdo, sim.
É absurdo, irritante.
E não sei o que fazer com isto.
É o não saber que me irrita. A falta de controlo.
Há dias maus. Hoje é um deles.
E fazes-me falta, merda.
Isso irrita-me.


terça-feira, fevereiro 15, 2011

Hoje.

Quero ir hoje.
Agora que terminei um ciclo.
Quero ir no próximo instante.
Por que o que me prende aqui também quer que eu voe.
Escrevi "voar mais alto".
Eu disse-te. Disse-te que um dia ia voar.
Que não era mulher para me resignar.
Acomodar. Detesto isso.
Ficar à espera não faz parte. Já o fiz demasiado tempo.
"Este país não é para novos".
E, pelas notícias, não será para velhos.
Hoje é o dia.
Em que ganho mais um centímetro.
Em que respiro fundo e sinto o desejo.
De tocar esse mundo.
Quero muito. Quero tanto.
Sentir que sou mais do que isto.
Hoje é o dia em que decido que quero crescer.
E vou manter-me firme.
É isso: não me resigno.

domingo, fevereiro 13, 2011

êxtase.

êxtase.
de olhos fechados. vontades reprimidas.
e porque não?
não posso. não devo. não é correcto.
êxtase.
vontade. à flor da pele.
e apetece-me ir.
só porque sim.
apetece-me o êxtase.
tudo começou com um beijo.
foi?

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

Papel antigo

Encontrei-te em antigos papéis.
Ensinamentos antigos. Palavras partilhadas e sentimentos cúmplices.
Encontrei-te aí.
E em mais lado nenhum.
Em mais lado nenhum.
E sinto-te assim.
Como um papel antigo.
Guardado numa gaveta, com o qual me cruzo por acaso.
Agora, neste instantes, estava a fazer planos.
Como um papel antigo.
Para descobrir de vez em quando.
E mais nada.

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Paris

Pode ser que te encontre por lá :)

quarta-feira, janeiro 26, 2011

O bichinho está vivo.

Faz assim. Com cuidado. Ao de leve, precavendo as complicações.
Persistência. Persistência. Persistência.
Que raio, persistir.
É bom saber que ainda aqui estás.
Quando parecia que estavas escondido.
Pertencer. Com persistência.
E sabe tão bem...

sexta-feira, janeiro 21, 2011

Sim

Digo que sim.
Que podia ser.

Estou a bater à porta.
Deixa-me entrar.

terça-feira, janeiro 18, 2011

Parar

Sabes, há dias mais complicados. Quero que entendas assim: que há meses complicados. E cansaço acumulado. E vontade de desistir e mandar tudo à merda. Sim, gritar para aqueles que não nos ouvem que nós somos melhores do que o vizinho e que não devia ser preciso gritar. Porque sabemos que somos melhores. E piores que outros, claro.

Escrevo-te porque te vejo entre duas linhas distantes. Na corda bamba. A dançar sem ritmo. E sempre te conheci com ritmo. Com pressa. A correr. Escrevo-te para que congeles um pouco. Só um pouco. Para que possas decidir se queres saltar ou voar. E isto do voo é coisa complicada de se fazer. Mas não és pessoa para complicar, és?

Deixo-te Fernando Namora, para que entendas.

"Fora de ti há o mundo/ e nele há tudo que em ti não cabe."

Um beijo.


sexta-feira, janeiro 07, 2011

A sério?

Que estiveste aqui?
Que me abraçaste um dia?
Que disseste um para sempre a medo?
Que nunca me ias magoar?
Que precisavas de mim?
Que me amavas?

A sério?

Not.