quinta-feira, dezembro 24, 2009

Criança

Estava um dia frio. Gelado mesmo. Pelo menos para quem está habituada ao clima latino. Mas a igreja, por norma também gelada, estava nessa tarde bem quente. As velas, as pessoas, o ambiente. Ouvia-se com atenção o entoar dos cânticos. E reparou numa rapariga morena, de olheiras profundas. Transmitia dor no olhar. Saudade. Tristeza.

Naquela igreja, quente, não conseguiu fixar o olhar em mais ninguém. Apenas naquele olhar, no qual as lágrimas começam agora a brilhar. Não está à vontade, o olhar perdido. Quer o abraço que já não pode ter. Continua a olhar, para cima, para alguém que já não está cá. Cabelos encaracolados, negros. Bem negros. Talvez tenha catorze anos. Pode até ter dezasseis. Vinte. Aquele olhar tem cinco, quatro, três. É um olhar de criança perdida, de saudade dos tempos de infância. De quem procura desesperadamente conforto. Algum mimo.

Sim, é Natal. Mas não tem a ver com isso. A perda é recente. E deve doer. Dói. Porque agora deixa que as lágrimas escorram pela face, encosta a cabeça a um ombro amigo. Não seria aquele que procurava. Nem se quer era o ombro que queria.

Gostava de ter tido coragem para lhe dar um abraço. Para lhe dar força. Para que o conforto que ela procura pudesse ser minimizado. Mas limitei-me a olhar. E a chorar também. Arrependi-me de não lhe ter dado um pouco do que tenho. Mas aquele olhar, perdido. Aquele olhar, de criança. Está cravado em mim. Um nó. Bem forte.

Desculpa.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Linhas

Eu até gosto de te ver pela janela. De te sorrir enquanto me esperas. Dizer adeus em tom de provocação porque sei que não vais estar no "até já". Todos queremos o impossível. Mas às vezes, estamos tão perto, tão perto. Que irrita não poder chegar lá.

Mesmo quando temos aqueles momentos. Que sim, que são do outro mundo.
É quase impossível. E, por isso, às vezes amarga.

terça-feira, novembro 17, 2009

Pela janela

Passa os dias à janela. Gosta de observar os detalhes, os pequenos pormenores. Desculpa, os pormenores. Repara no relógio falso da senhora rica que passa sem lhe dizer bom dia. E vê-a todos os dias. Sorri-lhe todos os dias. Mas não recebe um olhar de volta. A senhora rica do relógio falso. É assim que ela a cataloga. O relógio imita a luz do ouro. Falso.

São nove da manhã. Os óculos grossos obrigam-na a franzir as sobrancelhas. Há algum tempo que não tem dinheiro para comprar lentes novas. Já para não falar da armação antiga, acastanhada, fora de moda. Uma armação que a distingue. Mas ela não se importa. Ali, perdida numa pequena rua lisboeta, sim, à janela, percorre olhares e gestos. Gritos e lágrimas. E vê as luzes.

A vida fê-la toda ali. E quem ali mora gosta de lhe sorrir. É como um polícia que lhes dá segurança.Observa. Não deixa escapar nada. Mas não, não partilha as histórias. Fica com elas. Guarda-as. No bairro, diz-se que escreve um livro onde deixa palavras a pintar as folhas de papel. Sabe que o homem trai a mulher. Sabe que a mulher não sabe de nada. Mas que faz o mesmo. E não conta. Sabe que o filho salta pela janela, que fuma, que tem amigos impróprios. Sabe que os pais não sabem. Sabe que o presidente da junta aceita uns trocos para fazer favores. Mas não diz. Sabe que um dos funcionários é informador da polícia. Mas não conta. Sabe que o polícia que investiga o presidente da junta até gosta de ir dar uma voltas aos bares das meninas. Sabe que tudo. Observa. Descobre em si os pormenores da intriga. Faz a história. Mas não conta. Podia ser uma estátua. Mas os olhos, meigos, escondidos atrás dos óculos antiquados, não deixam que assim seja.

Tem as pernas presas. Um acidente de automóvel. Para a vida. Por isso não percebe a senhora rica do relógio falso. Por isso continua a sorrir-lhe à espera que um dia compreenda através dos óculos escuros o que lhe vai na alma. Esta senhora, que ela não conhece, mas que acha ser falsa, é a única que não lhe sorri. Não sabe nada dela. Ela sabe tudo de toda a gente. E queria saber a história desta senhora. Da senhora que passa todos os dias, há dias, há meses, há anos, há duas décadas. Que passa sempre de óculos escuros e cabeça baixa. E tem um relógio falso. Ninguém pergunta. Ela também não. Todos os pormenores menos este.

Quer acabar o livro. Dizem no bairro. Um dia estendo-lhe a mão, pensa. Ela não sabe nada da senhora rica. O relógio falso é a pista que lhe alimenta a descoberta. Ela não vai sair dali. Um dia abro-lhe a porta. E alimenta a descoberta. Um dia, abrigo-a em mim. E descansamos.

domingo, novembro 01, 2009

Recados

Tenho de te escrever, essa é a verdade. Mas não o fiz durante algum tempo, não te quis deixar recados, dar-te um pouco de mim. Não o fiz porque achei que não merecias. Foi isto que aconteceu, já to disse, sem reservas, portanto se o ouvires novamente não será uma surpresa.

E, apesar de ter vontade, apesar de já estar a deixar aqui um pouco de mim, continuo à espera. Porque tu estás em dívida. Sabes disso. E eu não me quero voltar a contentar com os espaços. Ou melhor, estou a escrever porque preciso das tuas palavras. Mas não estou a pedir. Porque fizémos esse acordo. E eu detesto pedir. Detesto pedir o que é suposto ter sem ter de relembrar.

No essencial, este é o problema. Ter de agir de forma oposta àquilo que sempre defendi.
Porque o facto de te amar, de te odiar, ou de te esquecer, não justifica nada disso.

Porque tu me habituaste assim.
Porque nós somos isso. Sem isso.
Desaparecemos.

terça-feira, outubro 06, 2009

Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas coisas do mar. Contar-te o amor ardente e as ilhas que só há no verbo amar. Contar-te longamente longamente.  Amor ardente. Amor ardente. E mar. Contar-te longamente as misteriosas maravilhas do verbo navegar. E mar. Amar: as coisas perigosas.  Contar-te longamente que já foi num tempo doce coisa amar. E mar. Contar-te longamente como doi  desembarcar nas ilhas misteriosas. Contar-te o mar ardente e o verbo amar. E longamente as coisas perigosas.                           Manuel Alegre
P.S. Contar-te, mais longamente. O sabor do verbo amar.

sexta-feira, setembro 25, 2009

"O que há em mim é sobretudo cansaço"

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

(Obrigada.)

quinta-feira, setembro 24, 2009

Sabes uma coisa?

Hoje não me chega.
Não me chega.
E bastava um simples gesto.


terça-feira, setembro 15, 2009

Enquanto

Quando me disseste "um dia", fiquei à espera, abraçada a um conforto que não conhecia, que queria conhecer, mas sim, sabendo, tendo consciência, a saber, que nada pode deixar de ser enquanto é. Agarrei-me a esses pedaços de pequenas coisas que poderiam vir a ser mundo, que ela gostava que fossem, mesmo sem ter a certeza, a saber, nada pode deixar de ser enquanto é. E não foi mais do que isso, que quis ser entre precalços, pedaços, fantasias, as palpitações constantes que acalmas com suavidade, pode deixar de ser enquanto o é. Por isso, o querer, perto bem perto, ser conquistada, acho que sim, que já tinha falado nisso, ela tinha até insistido, com medo, deixar de ser enquanto o é. "Um dia" podem ser instantes, achou ela que seria isso que ele queria dizer, por entre palavras de conforto, suavidade sentida, de ser enquanto o é. Ela dormia entre aspas, sim entre aspas, o resto pairava, suavemente, com delicadeza, ser enquanto o é. Ele fica à espera da definição, do momento em que ela se decida, espera, era ele. As palavras sairam trocadas, enquanto o é. Hoje, ela, ele os dois, ficam a pairar. É. E ponto.

terça-feira, setembro 08, 2009

Querer

Há muita coisa que não controlamos. É normal que assim seja, às vezes até agradecemos que se passe assim. Depois, há os dias em que gostávamos de poder gritar, responder, bater mesmo, porque não? Sim, é verdade. Gritamos, pelo menos cá dentro. Sente-se o amargo de boca. Acho mesmo que percebo a ideia de sofrer com as injustiças. Estranho, não é? Irónico, diria antes.

Mas é melhor que fiquemos por aqui. Não onde ele quer que estejamos. Mas onde ele pensa que nós estamos. Mandar à merda. É isso. Chamar filho da puta. Mas não. Porque há os merdas. E esta vontade imensa de deitar cá para fora. De sentir. É isso, sentir. É bom. Faz-me querer. E isso, poucos se podem dar ao luxo. É engraçado como nunca deixei de querer. É bom sinal, não é? Mandar à merda. E sorrir. Deixar para trás. Um passo atrás. Dois em frente. Porque se ganha assim.

Porque sabe melhor assim. Chamar filho da puta. E no final, depois da confusão. Depois das palavras. Depois das lágrimas. Chamar filho da puta. E sorrir. E pode parecer agressivo. Pode. Mas não é. É facilidade de expressão. Prefiro chamar-lhe isso.

Felizmente, aquele não é o mundo real. Aquele não é o Mundo. Chamar filho da puta. E pensar no sorriso. Ultrapassar-me. Prefiro chamar-lhe crescimento. Mas é como o amor, é fodido.

E é bom.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Sorriso

Ela acha que tenho medo. Do depois. Do querer tudo. Não pensa nisso sempre. E quando pensa, tenta rapidamente encontrar um assunto mais leve. Porque sabe que não deve. Mas é mais forte. E ela tem medo. Diz-lhe isso, em perguntas, daquelas que desviam a atenção do essencial. Daquilo que não quer pensar. E o sorriso é tantas vezes mais esclarecedor que qualquer palavra. É repetitivo. Mas ela sabe. Sabe-o de cor. Mas não pára. Tem medo. E sabes tu do que ela fala?

Do querer explodir. De mostrar que está feliz. Que está bem. Que sabe bem o sorriso. Quando mais ninguém entende. E  às vezes o medo paralisa-a. Dá um passo atrás. Mas não deixa de sentir. Sente mais. Tudo mais forte. Mais intenso. Não sabe lidar com isso. Com essa coisa estranha que a assalta. Sim, ela sabe, tem um nome. Mas sentir tudo é já forte demais. E as palavras não esclarecem. Baralham. São irritantes, às vezes.

Podem encurtar distâncias. E isso irrita. Podem aumentar a saudade. E isso irrita. Não podem dar-lhe o sorriso. E isso, isso deixa-a com medo. Com medo.Da fuga. De perder. Sente falta de tudo. Mesmo quando está perto.

Ela tem medo. Isso alimenta-a e consome-a. 

Se não fosse o maldito sorriso.

segunda-feira, julho 27, 2009

Nós (de atar)

Podiam ter sido apenas aquelas horas. É verdade, não estava à espera demais. E queria mais. Mas acabou por ser mais em todos os pormenores. Na areia, com o vento a fazer os cabelos ficarem com aquele sabor a sal. Os pés, molhados, entre algas que não se podiam contar. A esplanada, onde estivémos nós e os outros. Nós na bolha mágica. Os outros, não se bem onde andavam. Não perdi tempo a pensar nisso. E partimos, mas ainda não íamos embora. Faltávamos nós. Entre segredos e murmúrios.

E voltámos ao porto de abrigo. Entregues à cumplicidade dos gestos e dos olhares. Subimos a serra, descemos a serra. Procurámos cheiros que nos pertencem. Que fazem parte de momentos. Procurámos lugares de memória, entre pedaços de História. Um dia, será a nossa história. Mais simples, claro.

Pegaste no carro e fomos. Disseste-me vou-te levar até nós. Eu sorri e fui clara não quero sair de lá. Disseste que sim, mas foi como o até já. Já sabemos o que quer dizer. E isto não quer dizer nada. Apenas que te amo. Debaixo do manto, aquele onde gostamos de nos enroscar, soube-me a mel. Porque foi mais. E sabia que estavas a dar-te, sem receio. Sem medo. São palavras que se apanham mais depressa num olhar. Não as disseste, não precisavas.

E as imagens. Aquelas com que eu fico a dobrar, a quadriplicar. Porque sim, porque é suposto. Fico com elas desta forma porque gosto de te decorar. E falávamos de cumplicidade não era? Falávamos de amor, não achas? Ali, a rir de toda aquela infantilidade. É bom sentir que somos ainda podemos ser crianças às vezes. Tu dás-me um pouco disso também. Sem me retirar a responsabilidade. Fazes-me ver em sorrisos e em gargalhadas.

E depois partilhámos. Dois pratos, dois copos. E ficámos ali deitados, leves toques. Beijos. Foi apenas isso. E podia ter chegado à conclusão que te queria mais do que nunca. Que te amava até Marte, lembras-te? Podia, realmente. Aquele toque permanente. A textura da tua pele, suave. Aqueles momentos podiam ter-me dado muito mais sinais. Mas a verdade é que eu sei há muito que não preciso de sinais. Não me deixes, dizes tu. Como te digo, sei há muito o que quero.

Se leres isto, vais perceber que estou presa a ti. 
Deixar-te é missão impossível.

segunda-feira, julho 20, 2009

Amor é

Começaram por pequenos gestos. Ele, inseguro. Ela, sem nada planeado. A cada dia que passava ela questionava-se. Não, não pode ser. (Mas era.) E ele pensava, talvez, sem certezas, isso. Não queria. Queria. Hesitações normais de adolescentes. De crianças, pensava ela. Afinal, aos olhos dos pais, tinham sido acabados de plantar. Inocentes, talvez. Não, eles não eram nada inocentes. Pelo contrário, sabiam bem o que queriam da vida. Eram novos, sim, mas tinham sonhos. Tinham objectivos. E já é ter muito nesta idade. Isto pensavam eles, claro.

No carro, olharam-se. Olhos nos olhos. Sorriram genuinamente e pensaram porque não? Tinham as malas, os sonhos e os objectivos. Tinham-se um ou outro. Sim, eram adolescentes. E? Poderiam ter de voltar atrás, de procurar um porto seguro. Mas nada os impedia de voar. Sorriram novamente. E partiram sem destino. Mas era um amor cruel. Uma paixão de criança, daquelas que achamos que são para a vida. Encontraram uma pequena casa à beira-mar. Ele encontrou um trabalho. Ela cozinhava para fora. Amavam-se. Aquele amor que não nos deixa respirar. Que consome. Aquela paixão que sufoca. Sabe bem. "É ter com quem nos mata lealdade", não é?

Criaram um mundo. Uma protecção. Respiravam-se. Sentiam-se. Tinham o dom de se entenderem. Não tiveram filhos. Achavam que o amor assim teria de ser dividido. E aquele era deles. Eles pensavam assim. E até aos oitenta anos tiveram-se um ao outro. Um dia, enquanto dormiam ela despertou. Naquela cama que a tudo tinha assistido, naquele quarto onde se respiraram, cruel não é? Estava a dizer, ela despertou. Passou-lhe a mão na face e disse, muito baixinho, vou-me embora. Vais ter de respirar sem mim. Ele sorriu, pensando ser um sonho. Um pedaço de loucura provocado pela velhice. Ela sorriu.

Não acordou mais. Ele beijou-a de manhã. Os lábios frios. E percebeu que teria de aprender a respirar sozinho. Mas já tinha oitenta anos. Era tarde. O amor era adolescente. Ninguém o tinha avisado que seria assim. A dor. Percebem a crueldade de que falava? É uma prisão eterna. E deixamos de respirar. 

quarta-feira, julho 08, 2009

Ternura

Deste-me o Tejo, levaste-me à outra margem. Já dizemos tudo sem palavras. Sabe bem, não sabe? Entender-te em gestos, em movimentos. E levaste-me ao outro lado. E eu gosto do teu sorriso. Já te tenho dito isto, mais do que uma vez nos últimos tempos. mas se pudesse escolher uma coisa em ti era isso. O sorriso. E o toque na cara. Agora fiquei indecisa. Aquele toque de ternura. Sabes? Entendes esta confissão? Se calhar o tom não é o mais correcto. Não estou a conseguir dizer-te tudo. Mas também sabes que tenho esse problema. Esta ânsia de estar. A urgência. Sim, eu sei.

É simples como isto: gosto de ti.

domingo, julho 05, 2009

(Feitio)

Preciso de ser permanentemente conquistada.

É só isto. 

sexta-feira, junho 26, 2009

Ponteiros do relógio

Crescemos em cada minuto que decidimos dar um passo em frente. E podias estar quase à beira do precipício. Não faria mal nenhum. Desejamos leves brisas a sentir o Tejo. Observamos as luzes da margem Sul ao pormenor. Detalhadamente. E, de repente,  ouvimos uma música. E recordo-me de quando tinha por hábito gritar a letra alegremente. E volto a fazê-lo. Sabe bem. E crescemos. Sim, somos um bocadinho mais. Porque demos o passo em frente. Como a letra da música que voltamos a cantar. E temos um sorriso no olhar. Tímido. Mas cúmplice.

E não. Hoje não escrevo para ti. Não que não tivesses estado comigo quando olhei para a margem Sul. Aquela que está prometida. E como a pensar que o ritmo das palavras se repete. Como o som dos segundos do relógio. Mas não. Agora estava a falar da margem Sul. E estava-te a recordar que não escrevo para ti. Embora lá estivesses. Sim, era isso que estava a dizer. E agora tu pensas, estás a falar comigo? E continuo a dizer-te que não. Mas estás no ritmo dos segundos do relógio. Talvez percebas se te disser assim. Se te disser que há coisas simples como os segundos do ponteiro do relógio. 

E, por isso, acho que crescemos sempre um pouco mais. Acompanhando os ponteiros. Os segundos. Deixando o olhar preso à margem Sul. Como se lá estivesses. Entendes assim? É verdade. Não estou a escrever para ti. Mas continuo a saber de cor a letra daquela música que canto alegremente. E o brilho nos olhos. É isso. Talvez te procure entre pequenos trechos da letra. Como quem quer um para sempre. Sim, talvez seja isso. Quero sentir  a saudade e amar-te para sempre.

Mas esquece isso. Porque eu cresço acompanhado o ponteiro dos segundos. E ele faz tic-tac. Sem piedade. E, qualquer dia, sem dar por isso, já tolero tudo. Quando der por isso, qualquer dia, já estou a escrever para ti. Quando isso era tudo menos aquilo que queria. Porque eu cresço com o ponteiro dos segundos. E tu não percebes isso. Agora. Pensas que não. Que não vou já para a margem Sul. 

A verdade, é que fiquei por lá. O olhar perdeu-se. Mas a letra da música, essa, continuo a sabê-la de cor. E como estava a dizer, talvez esteja já a escrever para ti. E talvez esteja a amar-te para sempre. Não é um talvez. Estou a amar-te para sempre.

E este é um estado. Não é uma promessa. É crescer com os ponteiros do relógio. É um para sempre murmurado a medo. Porque sim. Porque tenho medo. Se nunca te disse, porque não estava a escrever para ti, ficas a saber por entre os trechos da música.

É isso que te tenho para dizer: que tenho medo.

E isto é crescer. Ao som dos ponteiros do relógio. E, às vezes, é uma merda.

sábado, junho 20, 2009

Quase que dizia

Hoje. Tudo. Posso voar, até.
Feliz. Sim, é isso que sou contigo.
O resto, são pormenores.
Nós, vivemos dos detalhes. Dos momentos. Quase que dizia amo-te.
Sim, sou feliz.
E hoje, é dia de te dizer obrigada. Porque me deixaste continuar até ti.
Respirar-te.
Quase que dizia amo-te.
Quase.
E sou feliz assim.
Com detalhes.

quarta-feira, junho 17, 2009

A nossa lista

1. Tirar fotografias instantâneas.
2. Ir a um país com História.
3. Partilhar um gelado.
4. Ir ao Eleven (e pagar a meias).
5. Dançar um slow.
6. Apanhar uma bebedeira. Sorrisos. Dançar sem limites.
7. Ultrapassar o medo das rochas com algas.
8. Ir a um SPA.
9. Receber uma massagem.
10. Dormir sem horas.
11. No mar salgado.
12. Dar vida a uma planta. Cuidar dela.
13. Passear de barco para a margem Sul do Tejo.
14. Jantar na praia. Com velas.
15. Acampar.
16. Banho de hidro-massagem.
17. Sauna e rio de floresta. Lá longe.
18. Um livro.
19. Tocar a neve.
20. Um Para Sempre.

terça-feira, junho 09, 2009

Para quando te esqueceres

Acordas e ele está ao teu lado. Levanta-se e dá-te um beijo. Diz que vai ao centro da cidade e que não demora. Que volta para te vir buscar. Porque nunca te abandonaria. Passas o dia sozinha. Vários dias. E recordas apenas o adeus. O beijo de até já. A promessa do regresso que sempre fez questão de frisar. Porque nunca te abandonaria. Porque te ama. Onde quer que esteja.

E tu, passas os dias à espera. Ele já não vem. Mas nem sempre te lembras. Acordas e pensas que ele já saiu. Mas que regressa. Porque te disse até já. Porque te deu um beijo e disse que regressaria. No teu mundo, vê-lo todos os dias. Despedes-te dele todas as manhãs com um beijo. E um até já. 

Ele não volta. Pelo menos como gostarias que ele voltasse. Mas ninguém te pode censurar de amares tanto ao ponto de o sentires por perto. Todas as manhãs. Com um beijo de até já. Dizer-te o contrário é tirar-te o pouco que te agarra a este mundo. É trazer-te a uma realidade que não gostas, a que sentes que não pertences. Todos nós te percebemos. E a vontade de o ter por perto não é só tua.

Mas ele já não está cá. Há muito tempo. E digo-te isto assim, porque nem sempre te lembras. Mas não faz mal. A verdade é que tendemos a recordar apenas as coisas boas. E a sua ausência não é uma dessas coisas boas. Ficas, ficamos, com o beijo de até já. Com a promessa do reencontro. Num outro mundo. Nesse que começas agora a construir. E não faz mal que assim seja.

O avô morreu há seis anos. Já não está cá. Já não vai chegar ao final do dia para te vir buscar. Tu sabes disso avó. Às vezes, esqueceste. Mas não faz mal. Nós percebemos. Às vezes, também nós nos queremos esquecer dessa coisa má.

A partir de agora, quando te esqueceres, lembra-te disto: ele já não te vem buscar ao final da tarde. Mas, esteja onde estiver, deixa-te um beijo e um sorriso de "até já". Porque no mundo que hoje estás a construir, ele está sempre ao teu lado.

Um beijo da tua neta.

quinta-feira, junho 04, 2009

Entre aspas

"Eu sei.

Há imenso tempo que me disseste qualquer coisa sobre a importância dos recados e disseste num tom que eu já aprendi de cor. Agora devia escrever por aqui uma frase simpática, e tu dirias romântica, talvez sorrises, e talvez sorrisses por achares que eu tenho medo, não é bem medo, que eu tenho medo do romantismo e da entrega, não é, acho que não é, mas estava a dizer-te que agora devia escrever por aqui uma frase simpática sobre o gostar. Sim, talvez devesse escrevê-la por termos necessidade, quase me apetece dizer urgência, gostas desse sentimento?, por termos necessidade de dizer quer gostamos. Dizê-lo por palavras quando já sabemos dizê-lo por sorrisos. E eu que gosto desse cumplicidade. É preciso que saibas que gosto da cumplicidade e estar a dizer-te isto é muito mais do que falar-te da cumplicidade de um sorriso no meio da multidão que tu traduzes com toda essa intuição. Um olhar.

Hoje não vou falar de amor.
Nem sequer vou falar de nada.

Devia falar de tudo. Dos últimos momentos que tenho bebido contigo e que não te tenho dito. Aprendi a não arranjar desculpas sobre mim próprio. Só aquilo que sou sem artificialidades excessivas. Aprendi a ser circunstancialmente neurótico porque ser neurótico significa que me preocupo contigo e que me preocupar contigo significa preocupar-me connosco. Proteger-nos. Proteger-nos com excesso, pois claro, mas com um sentimento simples de espaço vital. Territorial. Hoje quero apenas que saibas que decoro tudo em ti. Mesmo quando não te digo e devia dizê-lo tantas vezes mais. Sou melhor contigo. Consegues imaginar coisa mais simples?"


terça-feira, junho 02, 2009

Ventoso

Podia dizer-te tudo da forma mais simples. Entre sorrisos, sim. Seria talvez essa a melhor maneira para dizer que te quero. Desculpa, mas o vento não quer. Não contrario brisas. Muito menos das fortes.

Gosto do sol. De dormir com a janela aberta. De não ter calor de noite, de dormir com aquela sensação confortável dos lençóis a cobrir-me, mas sem frio. Nem com calor. Está no ponto certo.

Por isso, não vou contra o vento. Ele não quer. Assim, digo-te que te quero.

De forma simples.

quarta-feira, maio 20, 2009

Pensamentos

Sabes, hoje pensei em ti. Podes pensar, sim mas pensas em mim todos os dias. Talvez. Não será uma mentira no verdadeiro significado da palavra. Mas hoje, a maneira de pensar foi diferente. Diferente, não acredito. Sim, hoje quando pensava em ti sorri. Sorris sempre. Não, mas hoje foi diferente, já te disse. Diferente, como?

Hoje, quis mais. Queres sempre mais, mergulhas na exaustão do possível. Na incerteza do futuro, dizes tu. Não, não é isso, eu não me estou a queixar. Hoje quando pensei em ti, percebi que tinha aquele sorriso apaixonado. Eu gosto disso em ti, da paixão. Não, não percebes, não percebes.

Hoje, quando pensei em ti, vi-nos ao longe. Explica, o que queres dizer? Hoje, quando pensei em ti, apaixonei-me outra vez., cada dia me apaixono mais. E? E hoje, quando pensei em ti, percebi que, a partir de hoje, não vou conseguir parar. Não queres? Não vou conseguir.

Hoje, quando pensei em ti, imaginei-te comigo, a ver Lisboa no meio do oásis. Daqui a 20 anos. Hoje, quando pensei em ti, senti um tremor de terra. Escondeste-te? Não. 

Pensei em ti. Hoje.

domingo, maio 10, 2009

Amor é

Ter quase oitenta anos e deixar os cabelos brancos, compridos, sedosos, serem levados pelo vento, protegidos por um capacete vermelho. É deixar que aquele que sempre nos amou nos conduza numa scooter  vermelha pelas estradas de Lisboa. É deixar-mo-nos ir, agarradas ao seu dorso. É confiar. E quase que podia dizer que vi um sorriso por baixo do capacete vermelho...

Imaginar isto é uma coisa. Testemunhar é outra. Pode-se dizer que foi o meu momento do dia.

quarta-feira, abril 29, 2009

Em observação

Não que eles gostem de ser observados. Pelo menos assim, directamente. Os olhares cruzam-se, mas os mundos são outros. Ela pensa que poderia estar em Nova Iorque, que poderia estar a um qualquer ritmo alucinante que lhe escapa. Imagina, questiona-se, mas acredita que um dia as coisas boas até acontecem.  Eles, andam distraídos. Percorrem corredores, conversas de final do dia. Dão as mãos e sentam-se no banco, perto das plantas. Eles gostavam de ter um jardim só para eles. Ela, já pensou em comprar flores para o terraço.

Eles lêem e fazem ecoar as palavras. Ela, prefere a escrita. Dá-lhe calma. Eles apregoam a doutrina. Ela, está a mudar. Eles andam aos círculos, mas acabam sempre por voltar ao refúgio. Acabam sempre por escolher o caminho mais fácil. Ela, ela gosta de voar. E gosta de mudanças. Ela gosta de respirar o ar fresco da serra. O cheiro do rio. Ela gosta de sorrir. Gosta de brincar. Ela gosta, acima de tudo, de reconhecer a sensação de mudança. É também por isso que ela gosta de sorrir, já tinha dito que ela gosta de sorrir, não já? Gosta mesmo. É importante não esquecer.

Eles ficam ali, perdidos nas horas. Ela, já os deixou. Deixou-os permanecer ali. Foi voar um pouco. Porque quando voltar, eles vão continuar a apregoar  a doutrina, a querer ter um jardim, a escolher o caminho mais fácil. Ela, ela vai saber por que razão não quis nada daquilo. Ela ainda não sabe. Ainda não descobriu. Mas reconhece a sensação de mudança.

E não há nada melhor para reconhecer.

segunda-feira, abril 27, 2009

Ao pé do rio.

Há coisas que não se dizem. Deixa-me corrigir. Há coisas que temos medo de dizer. Por aquilo que representam. Por aquilo que podem induzir na outra pessoa. Pelos pensamentos. Pelas possibilidades. Há essas coisas todas que nos fazem balançar antes de dizer algo mais sério. E eu não te consigo explicar porquê. Não te consigo explicar como é que acontece. Contigo. Mas acontece. Porque nada daquilo que tenho para te dizer me faz parar para questionar se o devo ou não fazer. Nada.

Dentro do nosso mundo, à beira rio ou perto do mar, não há nada que não me sinta capaz de to dizer cara a cara. Podia não ter procurado o suficiente antes. Podia. Mas a verdade é que isto é inexplicavelmente único. Não aquele "único" lamechas de quem quer dizer coisas bonitas só por dizer. Não aquele "único" como quem diz "vou-te amar para sempre". 

Um "único" que pertence àqueles momentos. Um murmuro que diz "eu sei, e isto não é cliché, que nunca vou amar ninguém assim". Claro que vou amar. Sem dúvida. Mas, como um dia me disseste, procurarei todos os pormenores que me fizeram feliz contigo. E não os vou encontrar numa só pessoa. E vou-me sentir incompleta. Não para sempre. Apenas momentaneamente. O tempo que demora a encontrar-te de novo.

Não. Não te vou amar para sempre. Mas vou procurar-te para sempre. Em cada pormenor.

quarta-feira, abril 22, 2009

Ao acordar

Disseram-me que o acordar define o feitio. Cheguei à conclusão que o meu é misto. Por norma, não tenho mau acordar, mas há situações matinais que me deixam furiosa a dobrar. Acho que faz o equilíbrio. Não acordo bem disposta quando me abrem os estores às três pancadas com uma voz dócil que profere um "vá toca a acordar". A voz é mesmo dócil portanto percebem a irritação. Não acordo bem disposta quando naqueles primeiros dez minutos - em que procuro estar comigo sem que ninguém me chateie - me começam a bombardear com perguntas cujas respostas têm de surgir nos três segundos seguintes. Não, isto é pedir para que se resmungue a resposta. Pior ainda. Porque a seguir vem um "o que é que estás a dizer, não percebo nada", em tom de irritação. Como se eu tivesse a culpa de não querer responder naquele instante. Não acordo bem disposta quando me invadem o quarto à procura de um qualquer objecto que, por não haver mais ninguém em casa que se tenha acusado, seja eu automaticamente culpada por tê-lo feito desaparecer, ou sequer por saber onde está. NÃO TEMOS CULPA DA FALTA DE ORGANIZAÇÃO DOS OUTROS. Este será o sentimento que nos ocorre nos três segundos de raiva seguintes, mas que o sono impede que se transforme em berro. Resmungo e murmuro um "não faço a mínima ideia do que estás a falar". Não acordo bem disposta quando numa manhã de ressaca me incomodam com música bem alta - daquela que se ouve no sexto andar e está a sair das colunas do primeiro - ou quando o velhote do andar de cima resolve pôr o Goucha aos altos berros devido à falta de audição. Eu sei, ele não tem culpa. Mas ouvir a voz do Goucha numa manhã que começa com uma dor de cabeça?

Tirando isto, os outros dias são de bom acordar. Ensonada. Com o cabelo à Elvis Presley, pavorosa. Sim, tudo isso. O truque é não olhar para o espelho enquanto não sair do banho. Surpreendente. Resulta sempre. Isso e beijinhos matinais. As festinhas no cabelo. O toque suave. Estes podem inclusive deixar-me com vontade de ouvir Variações bem alto no meu Clio. Ou a banda sonora do Rei Leão. Aos berros no carro, com um sorriso gigante. Sim, os senhores no IC19 pensam que sou doida. Mas antes isso que ter mau feitio. Doida mas feliz.

segunda-feira, abril 13, 2009

Mimos

Sabe bem. Fugir. Sair do mundo e perceber que há coisas bem pequenas. E outras tão mais simples. Há a correria. O cansaço. O stress. Mas há a calma. O andar de bicicleta. Os cabelos ao vento numa manhã de sol. E a praia lá ao fundo. O imenso mar azul.

Os pequenos momentos são quase tudo. Dão-nos quase tudo. Sim, sabemos que temos de voltar, um dia. Sabemos. Eu sei. Tu sabes. Mas isso não interessa nada. Porque aquela brisa nos cabelos, aquele cheiro do pinhal e a partilha deram-nos mais. Sou mais um pouco de mim. Descubro mais de mim.

E isso, sabe bem. Gosto de o fazer contigo. 

Porque fiquei a saber que fazia covinhas nos cantos da boca quando resmungo por entre mimos. São coisas simples que me dás.

quinta-feira, março 19, 2009

Decisão

Não sei quando. Mas vou comprar um baú.
Preciso de um cofre de segurança emocional.

Contrariedades

Porque o nome que mais custa riscar é o teu.
A razão é essa.


terça-feira, março 10, 2009

Nada

Não. Estas palavras não vão ser nada do que estás à espera que sejam. Nada do que vou deixar aqui tem a ver contigo. Porque eu nunca me vou prender a ti. Porque eu nunca vou ficar à tua espera. Porque eu não quero isso. E, por isto, é que as palavras não são tuas. Não são para ti. 

São pedaços. De um todo. Que agarras sem querer largar. Uma corda. Frágil, velha, prestes a partir-se com o tempo. Isto sim, é para ti. Para que entendas o que te quero dizer. 

Quero-te. Mas isto não é para que leias. Não é sequer para saboreares. Não é teu. Não é para ti. O que resta daquilo que te quero dizer é explícito. Tudo o que não é para ti. 

Apetece-me acabar assim: "Se ao menos me fosse permitido escrever só por escrever, se me fosse possível comunicar sem ter de procurar, quase obrigatoriamente, um objectivo para a comunicação!"

E hoje, não consigo escrever assim.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Instantes

Chave na mão. Senta-se ao volante. Chave na ignição. A mala, atira-a para cima do pendura.

- Não, hoje não levo a tua mala ao colo.

(A mala é gentilmente atirada para o banco detrás)

- Os homens queixam-se todos do mesmo.

- Por que é que com um carro de quatro lugares eu tenho de ir com a tua mala ao colo?

(Eu diria que a mala poderia ir no chão. Mas é nova! Será que os senhores conseguem perceber esse pequeno e grande pormenor? Quando ela já estiver velha, suja e pronta para ser posta de parte, pode ir para o chão. De outra forma, NÃO!)

(obrigada.)

:)

Bater à porta

Há dias assim. Em que o coração bate mais forte. O sangue corre mais depressa nas veias. Há uma sensação incómoda. Ansiedade. Nem sempre má. Os motivos não são maus, é verdade. Mas há incerteza. Há uma segurança interior que não se quer quebrar, na qual se acredita. Há valores e princípios intrínsecos. Ainda bem. Há pormenores que se tornam isso mesmo, pequenas coisas. E há gestos, momentos, tensões, que valem por muito mais. Há o arriscar, o querer mais, o desafio. A vontade de voar. De querer ser mais. Mais livre. 

Haja o que houver, valeu a pena viver estes momentos.  Eu vou estar aqui. Isso é certo. Posso ser isto, ou ser mais. Mas não vou sair daqui. Porque há valores. Há princípios. E esses eu não desprezo. Esses valem muito mais. 

E a vontade de sonhar, essa, não a perco nunca.

domingo, fevereiro 08, 2009

Baú

Escrevo em pequenos blocos. Em cadernos. Em folhas de rascunho. E quero guardar tudo. Eu, pelo menos, tenho aversão a deitar palavras para o lixo. Não gosto. Hoje pus-me a pensar por que razão o faria. E percebi que gosto de recordar. Gosto de remexer as coisas antigas e reviver um pouco aqueles momentos, aqueles instantes. Porque na correria da vida, às vezes, os pequenos pormenores escapam-nos. Os gestos que, inconscientemente, acabaram por nos influenciar.

Eu sou assim. Gosto de sorrir enquanto releio uma frase ridícula. Gosto de chorar enquanto viajo pelas memórias da faculdade, pelos tempos em que ainda não sabia escrever. Gosto de remexer no baú dessas memórias. E, por isso, não gosto de deitar nada fora. Tenho livros de mensagens - inúmeros - quando o telemóvel só tinha memória para 15. Tenho diários à solta numa gaveta. Tenho livros de poemas infanto-juvenis que hoje me parecem estranhos. Tenho palavras soltas em livros dispersos. Tenho as notas. Mas são as minhas palavras. E sei exactamente a que se referem. É bom este sentimento de pertença.

E esta, é outra das razões porque guardo tudo o que escrevo. Hoje, pus-me a pensar, o que acontecerá a tudo o que eu for escrevendo e guardando ao longo dos anos. As pequenas divagações, os poemas de adolescente, os dizeres de amor, as pesquisas, as notícias, as notas. E pensei que seria maravilhoso, daqui a 100 anos, ter um familiar a remexer no meu baú. Naquele que vou deixar com todas as minhas palavras guardadas. 

E ele não vai saber a quem ou a que é que determinadas palavras se referem. Não vai saber para quem foram escritas, com que intenção, com que intensidade. Com que entrega. Provavelmente, nunca irá puder falar comigo. Mas quando remexer as minhas palavras, vai saber que são minhas. E poderá construir-me a partir daqueles fragmentos. Poderá desvendar um pouco mais de mim. Não tenho a ambição de ganhar qualquer Prémio Nobel. 

Basta que alguém me encontre no baú. E não deixe morrer as minhas palavras. Para que eu também fique por cá.

domingo, fevereiro 01, 2009

Aqui

- Foi assim que mudei. Que cresci.

- (Ciúmes.)

- Não te assustes com aquilo que te contei.

- (Não. Só queria ter lá estado.)

- Foi só para desviar a conversa. 

- (O que eu queria era ter dado esses passos contigo.)

- Gosto destes momentos.

- (Tu não choraste. Eu fiquei a ver as lágrimas a escorrer pela face. Pela minha face.)

- Até já.

- (Até já. Quando o que eu queria era que hoje pudesses ficar.)

- (Fiquei aí.)

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Entrelinhas

Sorrisos. Entre copos de vinho. Entre conversas banais, interrompidas. Por sorrisos. Intervaladas por momentos. Gargalhadas. E eu sou assim, transparente. Como o copo que ficou vazio. Ao final do dia, tenho tudo para contar. Descompressão. E do outro lado, há mais. Partilhamos assim um pouco do nosso mundo. 

Sabes bem do que falo. O que quero dizer. O que não digo, mas está lá. Entrelinhas. E sabes que não páro de falar enquanto não me interrompes. E começas tu. Depois, tenho eu de interromper. Mas não faz mal. Nem um, nem outro dispensa os sorrisos.

E estou a sorrir. Aquele sorriso. Não sei qual é. Mas sei que é diferente. E não, não é do copo vazio. É mais. Há sorrisos assim. Simples. Infantis. Sinceros. Este meu sorriso é como aquele teu olhar. Genuíno. Sim, eu sei que mais ninguém sabe. E é por isso que está reservado.

Sou dona desse teu olhar. Pertence-me desde que o identifiquei. Gosto de pensar que podemos  ser, pelo menos um pouco, donos daquilo que descobrimos e que todos desconhecem.

Assim, como te vejo, acho que não podia ser tua dona. Não queria. Nunca poderia dizer que me pertencias. Mesmo que te tivesse descoberto. 

Afinal, os sorrisos são nossos. Os olhares partilhados. Tu dás-me pedaços de ti. Eu deixo que me respires. Mas ninguém é dono de ninguém.

(P.S. Qualquer pedaço de loucura é efeito do copo de vinho vazio)


terça-feira, janeiro 27, 2009

Palavras

Hoje, voltei a ler-te. As tuas palavras. Aquelas que escrevias quando ainda não éramos nós.
E tive saudades. Saudades do tempo em que ainda não éramos nós. E daí, talvez fossemos. Saudades de uma protecção sem segundas intenções. Um acreditar. Era isso. É isso. Faz-me falta essa vontade de sonhar, como tu sonhavas. Como ainda sonhas. Sempre no nível oito. É o teu muro. Eu sei.
Hoje, quando te li, tive saudades. Outra vez. Do teu escrever. Hoje, quando te li, tentei procurar-me nas tuas frases. Mas ainda não éramos nós. Éramos outra coisa.
Pedaços de frases, de palavras, de pensamentos. (Mas o que mais quis foi encontrar-me ali). Mas era cedo. Era outro tempo. Aquele foi o tempo reservado para os olhares, para a leve cumplicidade, era o tempo dos momentos. Das fracções de segundo em que ainda não éramos nós.
Hoje, somos. Já somos nós. E continuo com saudades das tuas palavras.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

(É este barulho de que falas, com que sabes se chove ou não de manhã?É. E tu sabes. Pois sei. Mas lembrei-me agora disso. Senti o mesmo que sentes de manhã. E não há frio. Um sorriso. Um mimo.)

Porque há coisas assim tão simples. E assim tão boas.

terça-feira, janeiro 13, 2009

O rio

"Não falaram enquanto caminhavam; iam ver o rio, isso ambos sabiam. Era o sítio deles. O local sagrado do primeiro beijo, das mãos que se tocavam mais longe, com o tempo, com o frio, que permite relativizar o desejo. Desceram sem cuidados, a terra batida, a serra ao fundo com a moldura de neve, o som do rio."
em No Silêncio de Deus, Patrícia Reis


domingo, janeiro 11, 2009

Assim

"Beijinhos na boca, arrepios no peito."

domingo, janeiro 04, 2009

O som

Sem planos. Sem tempo contado. Ou mesmo que existisse, não se dava por ele. Percorreram a cidade. Conversaram. Sorriram. Um copo. E dançaram. Devagar. Os corpos balançavam de forma simples. Sorriram. A cumplicidade era evidente. Era mais do que isso. O toque da mão no joelho. A música. Os olhos fechados e o sorriso. Genuíno. Verdadeiro. Tão absolutamente feliz. Ficaram assim. Até irem dormir. Em silêncio. Mas uma ausência de som simples. Tão simples. Ternurenta. Que lhe fez bem. Que a deixou bem. 

(He'll look to me and smile
I'll understand
And in a little while 
He'll take my hand
And though it seems absurd
I know we both wont' say a word.)

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Sim

Quero. Muito. E isso deixa-me perdida.