terça-feira, junho 09, 2009

Para quando te esqueceres

Acordas e ele está ao teu lado. Levanta-se e dá-te um beijo. Diz que vai ao centro da cidade e que não demora. Que volta para te vir buscar. Porque nunca te abandonaria. Passas o dia sozinha. Vários dias. E recordas apenas o adeus. O beijo de até já. A promessa do regresso que sempre fez questão de frisar. Porque nunca te abandonaria. Porque te ama. Onde quer que esteja.

E tu, passas os dias à espera. Ele já não vem. Mas nem sempre te lembras. Acordas e pensas que ele já saiu. Mas que regressa. Porque te disse até já. Porque te deu um beijo e disse que regressaria. No teu mundo, vê-lo todos os dias. Despedes-te dele todas as manhãs com um beijo. E um até já. 

Ele não volta. Pelo menos como gostarias que ele voltasse. Mas ninguém te pode censurar de amares tanto ao ponto de o sentires por perto. Todas as manhãs. Com um beijo de até já. Dizer-te o contrário é tirar-te o pouco que te agarra a este mundo. É trazer-te a uma realidade que não gostas, a que sentes que não pertences. Todos nós te percebemos. E a vontade de o ter por perto não é só tua.

Mas ele já não está cá. Há muito tempo. E digo-te isto assim, porque nem sempre te lembras. Mas não faz mal. A verdade é que tendemos a recordar apenas as coisas boas. E a sua ausência não é uma dessas coisas boas. Ficas, ficamos, com o beijo de até já. Com a promessa do reencontro. Num outro mundo. Nesse que começas agora a construir. E não faz mal que assim seja.

O avô morreu há seis anos. Já não está cá. Já não vai chegar ao final do dia para te vir buscar. Tu sabes disso avó. Às vezes, esqueceste. Mas não faz mal. Nós percebemos. Às vezes, também nós nos queremos esquecer dessa coisa má.

A partir de agora, quando te esqueceres, lembra-te disto: ele já não te vem buscar ao final da tarde. Mas, esteja onde estiver, deixa-te um beijo e um sorriso de "até já". Porque no mundo que hoje estás a construir, ele está sempre ao teu lado.

Um beijo da tua neta.

3 comentários:

MaB disse...

Durante cinco anos tive (meio)avô. O amor que ele tinha pela minha avó - sabemo-lo bem - eram tanto que, quando ela morreu, metade dele foi com ela. Por isso, acho maravilhoso que a tua avó tenha "criado" um mundo único. E acho linda a maneira como insiste em nunca perder os laços que a ligam ao amor dela pelo teu avô. Apesar de não controlar isso. Nem a tristeza dos teus olhos, quando falas de como é duro ver que ela se esquece das coisas.
Nota-se nas tuas palavras que, às vezes, seria preferível viverem - vocês todas - nesse mundo, em que as pessoas de quem gostamos tanto, nunca partem.

adorei miúda. beijo muito muito muito grande. texto muito muito muito bonito*

MRV disse...

Isto arrepia miúda...
Fanástico o texto, como o é o amor que dura para toda a vida...
Tenho inveja dessas pessoas... uma inveja boa...

Boas férias!

Andreia disse...

Adorei o texto babe*