sexta-feira, dezembro 19, 2008

Fuga

Vinha de carro. A sentir o vento nos cabelos, de cigarro de fora. Estava a chegar perto daquele momento em que poderia eventualmente cair qualquer coisa parecida com uma lágrima. Não devia demorar muito. Mudou de sentido. Fez um telefonema. A resposta foi "sim, quero!". Não pensou duas vezes. Pôs a música alta, alta mesmo. Naquela intensidade em que se ouve apenas o que se quer ouvir. A batida alegre. Foi a cantar. Deu boleia. E seguiu para o lugar combinado. O tempo passou a voar. Conversas. Sonhos partilhados. Desejos. Frustrações. Vontade de voar. Desabafar. Deitar cá para fora. Não a lágrima. Mas a saudade. O ritmo da conversa, sempre alucinante. Porque às vezes o melhor é esquecer, não pensar. Tinha saudades disso. De fugir. Tu estavas lá. E sabes o que isso significou para mim.

Beijo.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Pensamentos

"É preciso coragem para mudar, começando por nós mesmos. E isso, às vezes, é o mais difícil".

"O pensamento é livre como o vento."

Manuel Alegre

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Na rua

Já pensei várias vezes nisto. No homem que, de vez em quando, dorme num abrigo de uma garagem ao pé de minha casa. Um pequeno buraco onde, há cerca de três meses, este senhor  fecha os olhos, tapado por uma manta, sem deixar que se veja a cabeça. Um dia, vinha a chegar a casa, por volta das sete da manhã e estava este homem - não deve ter mais de 40 anos - a colocar um barrete na cabeça, a ajeitar a roupa suja e velha que tinha no corpo e a juntar os pedaços de cartão que o separaram do frio gélido, passo a redundância, do mármore onde se deitou. Pensei qual será o limite para que alguém tenha de dormir na rua. Sim, há o álcool, há a droga, há isso tudo. Mas as vezes não há nada disso. É o que me parece aqui.

Há o estar sozinho. Uma coisa que me assusta verdadeiramente. Não ter nem se quer alguém que nos abrace e diga - ainda que seja mentira - "vai ficar tudo bem". Hoje, senti medo.  As notícias só falam de crise. Fala-se de apoios, de investimentos, de milhões. Mil milhões de euros. Despedimentos. "O próximo ano vai ser muito complicado". Não vai haver crescimento económico. Salvam-se os bancos. Não se sabe quando terão de se salvar mais. Medo. Acredito que nunca terei de dormir na rua. Mas assusta-me a ideia de o país estar à beira do abismo. Sim, sempre vivemos em crise, é verdade. Mas agora, parece muito mais do que isso.

Tenho medo. E gostava de ter coragem para descer as escadas, dizer àquele homem para subir, tomar um banho e oferecer-lhe uma chávena de chá bem quente, com torradas. Coragem para falar com ele. Provavelmente, continuaria a dormir na rua. Mas talvez o gesto o aquecesse e não precisasse daqueles pedaços de cartão velho.

(É por isto que sou de esquerda. Diz o Pedro Lomba no DN que é porque recebo mal. Não, não é por isso. O que não quer dizer que receba bem, recebo até miseravelmente.)

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Simples

Sentada num café, a fumar um cigarro. A ler os jornais. Bloco de notas, caneta na mão. Rascunhos. Ideias. Pensamentos. Frases soltas, palavras baralhadas. 

Olhar em redor. Famílias a tomar o pequeno almoço. Velhos a fazer palavras cruzadas. Crianças a brincar perto da água. O tempo está cinzento. À maneira dela, preenche os minutos e as horas. 

O cheiro a castanhas assadas. Não está lá o senhor do costume. Senta-se no muro e olha para cima. Como num filme. "Já te disseram que és linda?"


quarta-feira, dezembro 03, 2008

Gelo

Sinto falta do sol de Julho. Dos passeios na Baixa com a brisa morna. Das cervejas geladas em tom de brinde ao pôr-do-sol, com o Tejo a sussurrar segredos lá em baixo. Do calor do Verão. Da praia. Da areia a queimar os pés. De sentar-me à beira-mar a ver o pôr-do-sol. De ter calor. de não precisar de casacos. Do corpo fresco. Dos finais de tarde. Do rio. Dos jantares com vinho tinto. Das manhãs longas. Dos dias intermináveis. 

É irreversível este meu ódio pelo frio.

E mesmo em casa, à lareira, enrolada na manta. Faz frio.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Desabafo

(Por que é que queremos sempre mais do que aquilo que realmente podemos ter?

Ou melhor, por que razão estúpida não contentamos com as coisas simples e boas?)

:)




segunda-feira, dezembro 01, 2008

Quando eu era pequenina...

(Relato de mãe)

Três anos de idade. Estava muito concentrada em qualquer actividade de uma pequena criança. Irritada, sai-me com clareza "Porra!". A minha mãe, muito preocupada com a minha linguagem diz com carinho: "Oh filha, não digas porra que é uma palavra feia. Quando estiveres mesmo chateada diz "bolas!".

Abanei com a cabeça. Mas o que ouvi deve-me ter saído a 200 à hora.

Continuei concentrada. E irritei-me novamente.

Como criança cautelosa, tirei as dúvidas com a figura materna: "Mãe, era méda ou porra?"

Sempre perspicaz :)

quarta-feira, novembro 26, 2008

Na bancada

"Senhor guarda, sou da comunicação social...posso entrar na zona de residentes. Tenho aqui o cartão." Com ar de quem já ouviu aquela treta mil vezes, encolhe os ombros e diz: "Vá, siga lá". (Uffaa..às vezes isto de ser jornalista até resulta bem..). Correria de entrada. Espero na fila. Entro. A segurança fica espantada com a quantidade de coisas que levo na mala. Desiste de a revistar. Subo as escadas. Sento-me na cadeira. Não sei qual era a cor. Pormenores. Apito. Silêncio. As vozes ecoam no estádio. Expectativa. Um golo. Muitos nomes feios. "Pilinhas me penetrem", como diria o outro. Outro golo. A intensidade dos apupos aumenta a olhos visto. Mais outro. (Fdx, não é hoje que estes caralhos começam a jogar bem!). Peço desculpa pela rudez.

"Parecem uns matraquilhos, não descolam do ferro."

"Ó Veloso, aconchega a bola no pipo." 
"Tu queres é a passerelle!"
"Só querem é aparecer nas revistas." (Malditas revistas, esses sacanas, malandros!)
"METE O BARBOSA!!" :)

Golooooo!! Há esperança. Outro golo. Ainda mais motivação. E pronto, eis que o jogador da equipa marca golo...NA PUTA DA PRÓPRIA BALIZA, caralho!! Peço desculpa mais uma vez. Exaltei-me.

É que há com cada coisa...Ouvem-se "olés". Sim, perde-se 5-2. Mas quem perde sorri. "Haja alegria, isso é que não se pode perder!" (Não fosse um sportinguista a dizer isto...)

Nuestros hermanos fazem-se sentir nas bancadas. Os sportinguistas não gostam. E eis que surge o D. Sebastião. O público vibra e ouve-se: "FIGO! FIGO! FIGO!"

(Silêncio do lado espanhol)

E diria eu: CHUPA CABRÃO!

:)

Tendências

Uma pessoa perde meses a ensinar os homens que castanho e preto é uma combinação proibida no que diz respeito a vestuário...

Depois, vem o Inverno e a nova moda: Camel e preto.

E eles dizem: vês, vês?

E são mais uns quantos meses para explicar a diferença entre castanho escuro e Camel...

Vida de gaja não é fácil :)

terça-feira, novembro 25, 2008

Os outros

Dizem os entendidos que os inteligentes não se gabam, que os vulgares podem ser melhores e que os medíocres gostam de pairar. De minar. De chegar às conclusões correctas, as deles, claro. De sorrir enquanto acham estar a gozar o prato. Quando, com medo, atacam. Mas não o sabem fazer. Fazem-no mal. Com tiques de fraqueza. Os entendidos devem saber do que falam. Eu não sei. Muito, pelo menos. 

Sei antes para onde vou. Onde quero chegar. Não vivo mal com isso. Aliás, vivo até bastante bem. 

E tu? 


A frase

"Eu nem sequer consigo enfiá-las, quanto mais metê-las à porta!"

Muito bom :)

Há coisas tão simples

"Fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer. 
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte 
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer."
José Luís Peixoto, em A Criança em Ruínas

domingo, novembro 02, 2008

Estás a pensar em quê?

No carro. Curvas. Contra-curvas. Silêncio. Música de fundo.

- Estás a pensar em quê?, pergunta ele.

- Em nada, diz ela.

(A resposta é típica. E naquele "nada" correm um turbilhão de ideias desconexas, desejos, vontades, sentimentos diversos. Naquele "nada" estão milhares de palavras que quer dizer. Está um futuro que desconhece, um imaginário que não passa disso mesmo. Pela janela, vê as folhas a cair. Sinal do Outono que chega e do frio que se vem anunciando.)

Silêncio. Prolongado. Em jeito de hesitação.

- Sei exactamente o que estás a pensar... é assim para os dois, confessa ele.

Um beijo na testa e um festa no rosto.




segunda-feira, setembro 29, 2008

Borboletas


Estamos à janela, a ver o pôr-do-sol e somos surpreendidos por um toque no ombro. Uma leve brisa que ali passa. Trememos. Assustamo-nos. Não quer dizer nada, mas subtilmente acaba por dizer quase tudo.  Nos últimos meses tem sido assim. 

Borboletas. Duas. Ocupam o espaço sem qualquer tipo de preocupação. Procuram o lugar mais indicado para acasalar. Fico ali a vê-las, a brincar uma com a outra. A provocarem-se, num persistente toque de asas. Dançam e baloiçam naquele jogo natural de sedução. Páram. Perto de um velho castanheiro. À beira-rio. As asas ficam suspensas. Presas uma na outra. Cumplicidade. Trocam olhares, quem sabe. Sorriem. E dizem, sussurrando, palavras de amor.

São borboletas. Não sabem o que fazem. Brincam aos namorados. Voam. Mergulham na brisa. Atiram-se de cabeça. Porque um dia, um dia, vão procurar um cantinho perto daquela lua. Aquela que agora, depois de anoitecer, ilumina a dança de acasalamento. E elas vão. Sem destino. O essencial: amor ao luar.


segunda-feira, junho 16, 2008

Níveis

Não havia um só caminho, como quase sempre lhe acontecia. Pequenas vertentes de pensamentos racionais que não chegavam - e não chegam - para se subtrairem. Somam-se, consomem-se e não se explicam.

Hoje, o barco anda à deriva. Mas é constante, insaciável, persistente. Vai partir, mas volta. Como sempre, com mais força. E aqueles que são destemidos - os outros - não encontram as âncoras e voltam a partir. Ela, gosta de ser assim. E quando abre a janela e os raios de sol lhe dão festas, logo pela manhã, deseja - apenas naquele instante - ficar ali a receber um pouco mais de tudo.

Ali, ao sol. Com asas. Pronta para largar tudo.

segunda-feira, maio 12, 2008

Passo em frente

Poderia querer dizer outra coisa qualquer. Mas não disse e deixou que o silêncio (não) falasse por ela. Deixou os lábios entreabertos, prontos para deixar escapar aquela frase. Mas suspirou fundo e deixou que aquele véu de pensamentos se esbatesse por entre rasgos de luar. 

E só depois arriscou. Decidiu. Voou mais alto. Com medo, sim. Mas decidida. De inércia estou eu farta, pensou entre imagens que lhe vinham à cabeça. Situações, lembranças, saudades. Muitas. Mas agora não é tempo de pensar nisso. No que passou. Aprender, perceber e captar o essencial.

Em mim ficou o que basta. E isso chegou até um certo ponto. Agora, quero sentir outra vez o fulgor de uma aventura diferente. Mérito. Sem mais nada. E isso foi o mais importante para que captasse o essencial.

Fui.

segunda-feira, março 10, 2008

Ingenuidade

Acordamos, e pensamos que nada daquilo poderia estar a acontecer. Naquele sítio, àquela hora, naquele momento. Mas estava. Ia seguir pelo melhor caminho. Sem medo, como sempre aconteceu. Atrapalhado, corado, mas decidido. Sem cinismo, com frontalidade e com vontade, muita vontade. 

E quem ali ficou sabia que não seria para sempre. Aquele estado de ser e não ser. De fazer e apagar. De sentir e imaginar que se sente. A fachada de um sentimento para além do explicável. E agora? - perguntava ela com as lágrimas perto de escorrerem pela face. Pensava a criança que tudo se iria resolver. Que aquilo não era mais do que um pequeno sonho mau. 

Mas a vontade de destruir toda aquela autocracia desmedida era mais forte. Bem mais forte. Ingénua ao ponto de pensar que tudo aquilo não seria real. Mas aquilo não foi o suficiente. De dia para dia, a realidade ficava mais cruel. Os princípios são outros, pensava ela. Ou melhor, não são princípios porque quem rege a sua vida por estes ideais não é feliz, nem pessoa. É um medíocre, como ele próprio tinha já dito.

A criança ali ficou. Ingénua, mas mais forte. A tentar adaptar-se a uma situação que até agora desconhecia. Aos reles princípios de alguém que ultrapassa obstáculos, derrubando os melhores. Sem perceber que vai precisar deles. Ou então não, porque na reles mediocridade não existe o reconhecimento do outro. É pena. 

Mas a ingenuidade, essa, já não é a mesma. E isso, ela deve-o a ele.Ponto final.

Parágrafo.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Contrastes


Dias em que uma pequena melodia faz escorrer lágrimas, daquelas de quem há muito tínhamos saudades. E queremos descobrir porque razão sentimos o coração a ser esmagado, devagarinho. Pequenas pressões. Pontos de interrogação. Dúvidas. Tormentos. Sufocos. E a sensação que não devíamos estar onde estamos, que o lugar não é o certo. Que o tempo deveria ser outro. E quando acordamos deste sono leve, que não nos deixa descansar, chove a potes lá fora.
Olhares desviados. Pensamentos contrários. Atitudes irracionais. Comportamento incógnito. As palavras, já alguém dizia, acabaram-se as palavras? O silêncio. E os olhares. Um misto de ternura e distância. O sufoco, de novo. A lembrança e a dor. E tudo seria tão mais simples e inócuo se procurássemos distinguir o preto do branco, o sol da lua, o frio do quente, a neve do sol. Mas não. Eu procuro o meio termo. 
Nunca fui muito de extremos. Às vezes acho que deveria ser mais vezes de extremos. Preto no branco. Talvez fosse mais fácil. Um ponto de final. Um voo nocturno. Asas de esferovite e pedaços de nuvens. Um encontro longe do pôr-do-sol. Mais perto. Mais distante. Dor. Silêncio. Fuga. Partida.
E os raios cá dentro. Fujam depressa.