terça-feira, maio 11, 2010

Varredor de ruas

De manhã, enquanto tomo o pequeno almoço. Fazem barulho, destruindo pedaços de memória urbana. Apitam buzinas de condutores apressados. Mas podia quase desabar o mundo. Encontras no chão tudo o que outros não quiseram. Beatas, pacotes de leite, embalagens de sumo, folhas que caíram. Procuras a rectidão dos passeios e varres de forma linear. Passam por ti e agem como se não estivesses ali, como se fizesses parte da moldura. Imóvel. Mas continuas sem ligar a esses pormenores. Ela costuma dizer: "Eles deveriam receber milhões por terem este trabalho". Surpreende-me que suportes a rispidez do lixo urbano sem luvas para te proteger as mãos. Como se fosse parte de ti.
Sabes, o meu avô também tinha umas mãos assim. Negras do aço. Cheias de vida. De força. Há quem as considere sujas, nojentas. Falta de cuidado. Mas acredito que seja como destruíres um limiar do qual fazes já parte. Sim, é verdade. Tens um ar cansado logo de manhã, enquanto tomo o pequeno-almoço. De manhã, para mim. Para ti é já o fim do dia. Porque te levantaste ainda eu sonhava. Porque viste a cidade nascer e deitar fora tudo o que não queria. E varres. Com as mãos brutas a segurar o cabo da vassoura. Uma continuação de ti. Agarras no caixote verde escuro, tropa. E segues caminho. Para qualquer outra manhã te voltar a encontrar. Desculpa, ao fim do dia.

2 comentários:

eu mesma disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
eu mesma disse...

Uma rotineira manhã..