segunda-feira, maio 24, 2010

Ainda bem que apareceste.

Começámos por meros sinais. Não podia adivinhar. Conversas, hesitantes, sobre sentimentos confusos. Relações entrelinhas. Cabeça no ar. Responsável. Não me lembro de cor da primeira conversa. Não decoro todos os pormenores. Mas percebi rapidamente que serias uma pessoa para ficar. Não eras, não és, daqueles pessoas que apenas passam. Não és daquelas com quem consiga não estar. Entendes-me assim? Se te explicar não me vais entender melhor. Eu sei disso.

Percebi que tinhas medos. Inseguranças. Que gostas de falar. Que gostas de ouvir. Gosto disso em ti. Quando me ouves até mais não. Quando sabes perfeitamente aquilo que tenho de ouvir. Mesmo que saibas que não o posso fazer. Porque sabes. Acho que nunca te disse, assim, que gosto que me oiças. Que gosto de te ouvir.

E, sim, é verdade. Às vezes parece que corre tudo mal. Pior, corre mal nos momentos piores. Ironia. Mas fiquei genuinamente feliz quando te percebi feliz. E realizada. Como pessoa. Gosto de te ver feliz agora. Sei que percebes tudo em mim. Mesmo quando não falo. Que entendes o que quero dizer quando digo exactamente o contrário.

Estou para aqui a tentar dizer-te que ainda bem que apareceste. Que preciso de ti. Acho estúpido quando dizem que não é amor, mas amizade. Porque vale tantas vezes mais que o amor. Porque falha muitos menos vezes que o amor, que a paixão. Ainda bem que apareceste. E que me deixas estar no teu mundo. Porque fazes falta no meu.

E, apesar de já ter percebido isso há um tempo, só agora me deu o aperto no peito. Ainda bem que apareceste.

terça-feira, maio 11, 2010

Varredor de ruas

De manhã, enquanto tomo o pequeno almoço. Fazem barulho, destruindo pedaços de memória urbana. Apitam buzinas de condutores apressados. Mas podia quase desabar o mundo. Encontras no chão tudo o que outros não quiseram. Beatas, pacotes de leite, embalagens de sumo, folhas que caíram. Procuras a rectidão dos passeios e varres de forma linear. Passam por ti e agem como se não estivesses ali, como se fizesses parte da moldura. Imóvel. Mas continuas sem ligar a esses pormenores. Ela costuma dizer: "Eles deveriam receber milhões por terem este trabalho". Surpreende-me que suportes a rispidez do lixo urbano sem luvas para te proteger as mãos. Como se fosse parte de ti.
Sabes, o meu avô também tinha umas mãos assim. Negras do aço. Cheias de vida. De força. Há quem as considere sujas, nojentas. Falta de cuidado. Mas acredito que seja como destruíres um limiar do qual fazes já parte. Sim, é verdade. Tens um ar cansado logo de manhã, enquanto tomo o pequeno-almoço. De manhã, para mim. Para ti é já o fim do dia. Porque te levantaste ainda eu sonhava. Porque viste a cidade nascer e deitar fora tudo o que não queria. E varres. Com as mãos brutas a segurar o cabo da vassoura. Uma continuação de ti. Agarras no caixote verde escuro, tropa. E segues caminho. Para qualquer outra manhã te voltar a encontrar. Desculpa, ao fim do dia.